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PRODUÇÃO E INTELIGÊNCIA COMO FORMAS DE AUTOCONHECIMENTO

Na nossa sociedade de muito produzir ou até em sociedades em que praticamente fazer apenas o mínimo é o cotidiano, há sempre a avaliação das pessoas pelo que fazem. O julgamento busca avaliar qualidade e eficiência.

O aproveitamento de como as pessoas nos veem serve como parâmetro para nosso autoconhecimento. De certa forma, o outro é o espelho que nos vê por trás ou por ângulos que o espelho não alcança.

É importante, pois, que tratemos de perceber como nossa produção afeta as demais pessoas e saber encontrar nas avaliações alheias algum ponto de apoio para que nós saibamos enxergar como somos na condição de seres produtivos.

Em primeiro lugar, é preciso verificar aquilo que produzimos. Qualquer tipo de criação, ainda que não exposta ao mundo, é uma produção. Escritores de gaveta, pintores caseiros que nem assinam suas obras, atletas de final de semana, comunicadores por torpedos apenas a amigos, parentes e namorados ou namoradas, todos são produtores de alguma coisa.

Não se trata de uma avaliação para que consigamos dizer “sou bom nisso”. Esse tipo de conclusão pode não significar muito para nossa melhoria de produção, nem para a continuidade de nossos esforços, talvez nada para  algum tipo de percepção que nos leve a algum ganho material em troca de nosso talento.

O reconhecimento alheio ou a nossa própria conclusão de que sabemos bem alguma coisa pode identificar para nós um sentido do fazer, que pode ser o de que fazemos determinada coisa porque amamos diletantemente fazer algo ou porque alguém depende daquilo e sabemos bem como fazê-lo, daí continuamos a fazê-lo para favorecer a esse alguém em troca talvez de elogios e até ganhos.

Resultados importam, sim. Há até avaliações de desempenho, como provas e exames, que indicam alguma coisa. Os famosos testes para avaliar habilidades, como os de inteligência, habilidades manuais, raciocínio espacial, etc., servem para conhecer algum tipo de inteligência ou condição de desempenho em alguma área. Tudo isso auxilia a que nos conheçamos ou tenhamos ao menos uma dimensão de como estamos num determinado momento em alguma área do saber ou em algum tipo de tarefa que exija um determinado desempenho.

É importante constatarmos junto a quem recebe nossa produção e a quem pode avaliá-la tecnicamente, ou até em termos de recepção de consumidor, o que mais ou menos precisamente nós somos como produtores. Se algo agrada, posso aproveitar essa informação para alguma coisa? Se desagrada, como alterar o produto? Se há uma indiferença, será que eu sei me divulgar?

Saber responder a essas questões e a outras correlatas significa ver-se no fazer, que é uma forma poderosa de nos situarmos no mundo.

Nunca podemos nos esquecer de que uma opinião apenas não esgota todas as possibilidades avaliativas, além de sempre termos que considerar que algo que produzimos pode não servir a uma pessoa, mas eventualmente pode significar muito para outra. Pode haver julgamentos suspeitos, nas iniciativas de apoio por solidariedade, como, por exemplo, a de alguém que compra um produto de um vendedor para auxiliar com sua sobrevivência, sem que a pessoa vá utilizar o produto. Além desses, as avaliações de pessoas próximas podem ser muito favoráveis ou francamente severas nas censuras, e isso não deve significar uma opinião única e definitiva.

Devemos nos prevenir sempre contra o autoengano, a ilusão de que sabemos algo que não efetivamente sabemos. Existe um provérbio árabe que transcrevo abaixo e que serve como mostra de quatro tipos de  comportamento diante do saber: “Quem não sabe e não sabe que não sabe, é um tolo – ignore-o. Quem não sabe e sabe que não sabe, é um ignorante – ensine-o.  Quem sabe e não sabe que sabe, é um sonhador – desperte-o. Quem sabe e sabe que sabe, é um sábio – siga-o.”.

Deve-se ter em conta não a condição genericamente de saber, mas situações especializadas e momentâneas, porque, como já escrevemos antes, o conhecimento e o autoconhecimento são dinâmicos.

Como curiosidade, compus o que eu entendi como um contravérbio (que, num modo original, um humorista nomeou cada um de seus chistes em oposição a um “pro”-vérbio) em oposição a esse provérbio árabe. É uma maneira de demonstrar uma produção minha, que também espelha um pouco do que sou (difícil classificar-me, deixo a tarefa ao leitor). Eis o contravérbio brasileiro meu narcíseo (como eu o denominei): “Quem sabe provérbio árabe e não sabe que é um sonhador, é um tolo – desperte-o; Quem não sabe que é um ignorante, não sabe que não é um sábio – isto é óbvio, menos para ele; Quem sabe e sabe que sabe que não lhe deve ser dito o que sabe – ouça-o se ele disser o que sabe e conseguir convencê-lo, ou ignore-o; Quem não sabe ensinar não siga seus próprios ensinamentos – aprenda com os outros, primeiro.”.

Brincadeiras à parte, a condição técnica deve presidir ao julgamento sobre saber ou não. Estudar um assunto antes de se meter a falar dele é absolutamente importante. Quanto maior a especialização e o aprofundamento em um assunto, mais ele nos será familiar e sobre ele teremos mais proximidade com o julgamento de que somos sábios naquele ponto. Como não há ninguém que consiga conhecer tudo, mesmo que seja de apenas um assunto, o conhecimento estará sempre aberto. A imprevisibilidade de que saibamos também apresentar nosso conhecimento ao mundo sempre com a mesma competência também diminui a precisão do nosso autoconhecimento, já que não é garantido que saberemos reconhecer quem nós somos infalivelmente sempre. As limitações, até de nosso próprio autoconhecimento, fazem parte do processo de conhecer-se e de não conseguir conhecer-se, porque também teremos limitações de admitir ou saber tecnicamente como julgar-nos, exatamente porque não se pode conhecer tudo.

E os testes de inteligência ou habilidade podem apresentar algum tipo de precisão para avaliar a si mesmo? Até indicam alguma coisa, mas servem muito mais como um mapeamento de tendências. Quem se fiar em um número tal para um teste de quociente de inteligência como fórmula única que fixe sua capacidade não terá a devida dimensão desse tipo de testes. O objetivo não é mostrar algo fixo, mas uma possibilidade próxima de um momento. Até a inteligência é possível incrementar. Não fosse assim, não haveria tantos estudos para tratar esse assunto. Os indicadores de testes auxiliam para aferir uma aptidão, um desembaraço para algo, mas como condição momentânea. Se o uso for para corrigir defeitos e aprimorar pontos, eles são bons indicadores; caso contrário, a frustração surgirá ou o tempo dedicado a fazê-los será perdido.

Mas, por favor, não me venham com o tal “bom senso”! Dele trato em outra oportunidade.

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Claudionor Ritondale

Claudionor Aparecido Ritondale, nascido em São Paulo, em 1957. Casado, pai de uma filha, amigo de cães, apreciador de vinhos. Mestre em Língua Portuguesa, com sólidos conhecimentos em Português e na área da Educação. Escritor premiado, com 41 livros editados e vários artigos sobre vários assuntos – poesia, contos, língua portuguesa, filosofia, viagens, crítica literária e de artes, administração. Revisor de textos, professor de Metodologia do Trabalho Científico. Faz palestras, ministra cursos e participa de videoconferências sobre o novo acordo ortográfico, ministra cursos de língua portuguesa pela internet. Autor de apostilas de Filosofia, Sociologia, Língua Portuguesa, Redação, Interpretação de Texto e Literatura para o ENEM. Tradutor de italiano, inglês, espanhol, francês e alemão, para particulares, empresas e editoras (textos técnicos e literários). Aposentado de um banco estatal, com experiência em programas de Treinamento e Desenvolvimento e universidade corporativa. Copyright © 2012 Claudionor Ritondale

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