Voltar

Os quatro pilares da miséria

Não sou economista, não tenho curso de administração de empresas, mas sobrevivi até agora razoavelmente bem, num processo de superação de adversidades. Vi muitas transformações na economia como um todo e fui beneficiário e/ou vítima delas todas.

Posso não me considerar rico – realmente, não sou rico – e julgo que isso não seja o resultado de gerenciar bem sua vida. A questão, que para muitos é dolorosa, de obter sucesso na vida está resolvida com a citação do filósofo Ralph Waldo Emerson que expus no início do meu livro “O gerente formador e motivador”, que reproduzo a seguir:

“Rir muito e com frequência; ganhar o respeito de pessoas inteligentes e o afeto das crianças; merecer a consideração de críticos honestos e suportar a traição de falsos amigos; apreciar a beleza, encontrar o melhor nos outros; deixar o mundo um pouco melhor, seja por uma saudável criança, um canteiro de jardim ou uma redimida condição social; saber que ao menos uma vida respirou mais fácil porque você viveu. Isso é ter tido sucesso.”.

Quero aqui refletir sobre algo que me preocupa sobremaneira: a miséria humana. Do ponto de vista estritamente individual, todos nascemos ignorantes, frágeis e nus. Nossa dependência de outras pessoas é total, no início, e pode continuar assim para muitas pessoas, as que se encontram na faixa da miséria.

As carências não são fáceis de gerenciar. Ninguém pode ser economista se não tratar da escassez. Saber retirar muito de pouco é um dom que sempre foi muito considerado. Por esse motivo, a economia afeta a vida de todas as pessoas.

Com essas reflexões que inicio neste apêndice, pretendo tratar de quatro fenômenos que ocorrem não apenas em países isoladamente, em empresas ou famílias, mas no planeta inteiro, talvez não em escala global, mas em grandes contingentes de pessoas. Considero-os como os quatro pilares da miséria. Eles sustentam essa condição e provocam o transtorno da vida humana no planeta.

Para não gerar muita expectativa em ninguém, anuncio quais são eles: a corrupção, a falta de formação, a burocracia e o desperdício.

Eles não têm uma ordem hierárquica, tampouco acontecem sozinhos. Pode ocorrer de um deles não acontecer, mas é raro que os quatro deixem de atuar para que a miséria ocorra.

Não quero sacramentar uma posição sobre o país em que vivo, sobre as empresas onde trabalho ou trabalhei, sobre a família de origem ou a família atual que convive comigo. Falarei de algumas hipóteses, com alguma justificativa em minha experiência, em leituras que faço, em informações que absorvi.

Para iniciar, forçosamente tenho que ser didático, porque acredito que seja muito difícil à compreensão das pessoas um tratamento dado a esse assunto com a interligação constante na análise dos quatro fenômenos. Então, a abordagem terá que tratar de cada um deles, mas com o alerta ao leitor de que sempre haverá interligação de um fenômeno com os outros três.

O primeiro fenômeno, que é um mal endêmico de muitas sociedades, é a corrupção.

Pensemos em termos materiais: um bem que imaginemos para nós e compremos por um determinado valor, mas que tenha um uso durante um tempo. Muitos o utilizam como mercadoria de troca e querem valorizá-lo. Se estivermos na categoria dessas pessoas, podemos entender o que significa comprar um automóvel e buscar mantê-lo.

Há a contrapartida do mercado de querer que o automóvel já se desvalorize no terceiro segundo após ter saído da loja. Sim, isso ocorre, mas pensemos apenas na conservação material desse bem.

Ele está intacto quando sai da loja. Ele deverá, para funcionar, receber um investimento de quem o comprou. Deverá receber um abastecimento de combustível, terá que sair com uma revisão feita em todos os itens, terá um certificado de garantia para eventuais problemas ocorridos no prazo determinado pelo certificado de garantia, terá que ter uma nota fiscal, um emplacamento – que é o registro nas autoridades de trânsito –, todos os documentos em ordem.

Para conduzi-lo onde quer que eu vá, tenho que ter uma habilitação, que é a autorização legal para que eu o conduza. Isso dependerá de um treinamento, de cursos e de provas teóricas e práticas.

Todos que possuem automóvel sabem dessas questões, mas existem outras acessórias: como dispositivos de segurança a mais – luz de segurança, travas nas portas, seguro contra incêndio e roubo, alarmes. Também alguns confortos podem ser incorporados, como algum dispositivo sonoro, bancos mais adaptado às especificidades de motorista e passageiros, ar condicionado. E alguns dispositivos para estético e luxo, como faróis incrementados, calotas esportivas.

Todos os itens dão segurança, conforto, desempenho e satisfação, além de garantir a conservação do veículo.

Aí está a questão sobre a qual queremos iniciar nossa reflexão: conservar.

A corrupção nasce da dificuldade em manter alguma coisa num mesmo estado de conservação, ou em condições adequadas de funcionamento.

Existem as regras e as diretrizes para eu conduzir bem um veículo, durante um bom tempo, sem que eu tenha que desembolsar todo o valor do veículo e perdê-lo. Não devo tomar tantas multas, não devo sofrer nem provocar acidentes, tenho que zelar para que eu não o perca num furto, assim por diante.  E devo fazer as manutenções requeridas pelo fabricante do veículo ou pela condição de uso que eu destinar a ele.

Quando algo acontece para que a conservação da posse e do bom uso do veículo não se estabeleçam, eu começo a corromper a condição de uso do veículo que possuo. Ele se desgastará e eu não recuperarei o item desgastado num tempo adequado para que eu não tenha mais prejuízos. Eu me atrapalharei com sanções da lei ao meu mau uso do veículo e ficarei com dificuldades para renovar minha habilitação. Eu sofrerei com a desorganização para renovar meu seguro e correrei mais riscos. Em suma: eu corrompi, de alguma forma, a situação de conservar bem próximo ao estado original meu veículo.

Na vida, em geral, corromper é isso: perder algumas condições originais, adulterar, deturpar, estragar algo.

O desgaste natural da vida assola a todos. Como disse um cientista, todos os seres humanos sofrem da mesma doença: o envelhecimento. Ele é corrosivo, não há como negar.

Sem contar, entretanto, com o fator da corrupção real que acontece com qualquer ser vivo ou objeto, pensemos na questão moral e na ideia de que alguém possa se entregar à corrupção. Não pensemos, ainda, em motivos, mas na simples atitude de quebrar regras e promover algum tipo de atitude que altere para pior, sem o desgaste natural, a vida. Isso é corrupção.

Acompanhei, desde a primeira vez que ouvi falar na questão da Ética, a dificuldade que muitos têm em conceituá-la. Não quero entrar em uma discussão acadêmica sobre os prováveis conceitos do termo, apenas procurarei verificar quão prática pode ser uma reflexão sobre ela. O ponto de partida serão inevitavelmente as regras.

Uma sociedade, uma organização, um indivíduo enquadrado socialmente, um grupo, enfim, estão submetidos a regras. A regra orienta procedimentos: isso é feito assim, siga esse caminho que chegará a tal destino, cumpra tais etapas desse modo e terá o resultado X.

É importante saber compor as regras de qualquer associação. Indispensável o debate sobre o que é melhor e o que é pior, o que pode ser feito, o que deve ser evitado, o que deve ser punido. Tão importante quanto criar as regras é segui-las. O primeiro grande passo para a corrupção é, já no momento da geração de regras, procurar desvendar mecanismos para burlá-las. Inicia-se aí a verdadeira cultura da corrupção, que é a raiz mais profunda do fenômeno. Isso significa já adquirir um automóvel com o seguro desejo de “detoná-lo” em seu uso.

Quando um presidente da república, com a importância que tem numa sociedade guiada por representantes do povo sua figura, resolve dizer que a lei não tem importância, como se pode levar a sério um país?

Não digo onde e quando isso aconteceu, mas há marcado na memória de muita gente que conheço frases pronunciadas por presidentes que, do ponto de vista dessa concepção de ética de que é preciso compor e seguir as regras que compomos, não se enquadram em nada além de uma cultura da corrupção completamente institucionalizada.

Pequenas fraudes cotidianas surgem da ideia de que é possível adulterar as regras sem que haja nenhuma consequência danosa ao agente fraudador – ao contrário, haveria um benefício a ele.

O problema de ser corrupto é justamente acreditar nesse tipo de vantagem sobre algo corrompido. Uma vez tendo havido a corrupção, algo já foi acelerado no processo natural de desgaste. A morte acelera-se. Não há benefício real na corrupção, portanto, há somente a aceleração da miséria humana, há a degradação, que é um dos sinônimos da palavra “corrupção”.

É certo que quem comanda o mundo é a realidade, que tem as suas regras naturais. A primeira providência para estarmos bem no planeta é respeitá-las. A crise de sustentabilidade que enfrentamos decorre de não conhecermos nem respeitarmos as regras da natureza. Querer domá-las e burlá-las tem sido um mau negócio para a humanidade. Não é possível saber com precisão se poderemos sobreviver a catástrofes naturais decorrentes da falta de respeito que nós humanos temos para com as leis da natureza.

O gerenciamento dessa questão é o mais urgente e depende de não querermos instituir para a natureza a famosa adaptação das regras ou o expediente de quebrar as regras porque cumpri-las é submetermo-nos a condições artificiais. Com a natureza não é possível pensar assim.

Avançando sobre a cultura, o que não significa desprezar a natureza, podemos pensar que no reino das relações humanas a corrupção se estabelece quando não se pretende seguir determinadas regras ou quaisquer regras.

Um mundo desorganizado é o que não cumpre o que promete. Se pretendo fazer algo e tenho sentidos de orientação mas não os sigo, fico perdido. O prejuízo será meu, embora eu aparentemente não o perceba como algo imediato.

O fato de podermos criar e repensar as regras talvez promova a condição imaginativa para que algumas pessoas e culturas queiram promover, desde o início, a ruptura com as regras.

Corromper é da natureza humana, portanto, porque constatamos a degradação natural de tudo. Ocorre que essa degradação é um processo de contínua transformação, nós a enxergamos como perda.

O corrupto é alguém que se desespera com a perda e enxerga-a em tudo. Se há um imposto, devo sonegá-lo, porque não posso colaborar com a coletividade, já que pareço não pertencer a ela e não terei benefício imediato com o pagamento do imposto. Como tudo o que ocorre socialmente parece não me afetar – escolas, hospitais, estradas –, acho que nada funciona a contento, portanto não me vejo na obrigação de pagar imposto. Criarei uma regra para sonegar e farei esforços para que ela se cumpra.

Um exemplo é a tentativa de não pagar imposto quando da venda de um imóvel. Como há a necessidade imperiosa de se fazer, em alguns países, a transmissão do bem imóvel por meio de um registro de escritura pública, a qual é feita por um agente público, que cobrará impostos, o que se tenta é diminuir os valores devidos. Isso resulta de um acordo entre o comprador e o vendedor para que o preço final declarado do imóvel seja inferior ao preço real pago por ele.

Sonegamos a informação, não dizemos a verdade, corrompemos a regra. O imóvel valia 2X, informamos que o valor era X. O imposto será calculado sobre X, daí resulta que será metade do que o valor efetivo a ser pago.

Como regularizar isso? Futuramente, alguém que não queira se submeter a esse tipo de desvio, terá que declarar o valor real. Terá que pagar o imposto a partir do cálculo correto e também o imposto sobre o lucro, quando revender seu imóvel. Ocorre que se comprou o imóvel por um valor muito baixo e o revendeu por um valor real de mercado, haverá uma diferença maior a apurar como lucro. Sobre ela, incidirá um imposto sobre lucro imobiliário. Ele será, algum dia, compensador do imposto menor pago quando da sonegação combinada, que era declarar valor menor do que o da venda real.

Essa prática não é compensadora, porque não há ilusões no mercado imobiliário. Nada pode custar tão pouco. Em algum momento, será necessário declarar o valor efetivo, por mais que o imóvel perca valor pelo processo natural de deterioração.

Ninguém busca deliberadamente o prejuízo. Isso soa falso, soa a fraude.

Qualquer mínimo ato de adulterar um objeto, uma relação, um serviço, um contrato, uma regra, constitui-se em ato corrupto.

Não há senhores donos da corrupção, há sociedades imbuídas de cultura que admite a corrupção. Elas se sufocam, mais dia menos dia nos mecanismos de tentar explicá-la ou desvencilhar-se dela.

A corrupção causa enormes prejuízos econômicos a qualquer grupo constituído. Quem desvia os rumos de utilização de objetos, serviços, relações, contratos, não pode ser confiável. E, sem confiança, uma sociedade não prospera. Instala-se a miséria humana.

Existe um ranking de países corruptos. Constar entre os primeiros da lista não é nenhuma glória ao país detentor dessa marca. O grande problema, porém, não está apenas no fato estatístico de constar no topo de uma lista hedionda como essa. A maior dificuldade é abandonar a ideia de corrupção. Para algumas sociedades, é quase impossível conceber o mundo sem um jeito de driblar as regras.

Por que deve haver jeitos de não seguir os jeitos anteriormente combinados? Em alguns contextos, os jeitos foram combinados por acordos em que as partes que deveriam ter maior interesse neles não participam de sua elaboração. Esse fenômeno é uma das raízes da corrupção: chama-se alienação. Ela consiste em dar a outros o direito de decidir por você.

Não há como apontar a alienação como um quinto fenômeno, porque ela decorre da falta de formação e de uma série de problemas decorrentes de barreiras criadas para que as pessoas tenham consciência de si mesmas. A postura de distanciar-se de si, que significa, na prática, abandonar o autoconhecimento, dá espaço para que oportunistas resolvam por você o que somente você poderia resolver adequadamente.

A corrupção é ato desesperado, mas, se institucionalizada, passa a ser um ato de insanidade pública. Se regras não servem para nada, instala-se o caos. Não é o estado de ausência de um poder central, que é o que os anarquistas pregam, mas uma falta de direcionamento, um caminhar sem nada que indique algo seguro.

Se vou fazer um passeio num teleférico, pendurado por um cabo de aço e sei que há uma corrosão acentuada no cabo que pode provocar um acidente – a queda do teleférico de uma altura considerável –, eu, tendo consciência disso, farei o passeio? Obviamente não.

Isso significa que a corrupção é herdeira, sim, da ignorância, da falta de informação sobre o mundo, ou melhor, da falta de formação adequada para enfrentar as situações da vida.

Fazer uma improvisação, conhecida como “gambiarra”, permitirá o passeio? Haverá o risco, mas talvez ele até seja possível. Em instalações elétricas clandestinas, feitas em habitações precárias, não é incomum (aliás, é bem frequente) acontecerem incêndios. Houve quem quisesse o benefício da luz elétrica, mas não quisesse pagar o custo social nele embutido. Isso pode causar-lhe a vida.

O corrupto é, então, um desorientado social. Se ele for rico ou pobre, isso não importa. Querer acelerar a degradação natural da vida é algo insano, contrário à própria preservação da espécie.

O corrupto é, na acepção da palavra, um miserável. Quem recebe ou quem promove a corrupção está no mesmo nível de promoção da miséria humana. Dar ou receber propina é um ato absolutamente idêntico.

Fica impensável, em algumas culturas, existir sem “facilitar” o andamento de processos por meio da corrupção. Quando ela se torna a regra social vigente, o mundo despenca completamente.

A corrupção é a raiz da farsa, da ilusão, da fraude, do engodo, que pode estar na divulgação maciça da propaganda. Ou de muitas propagandas enganosas.

A corrupção generalizada na política é apenas uma faceta complexa da ideia de deboche das regras. Mas a corrupção cria novas regras, isso é importante apontar, porque ela não apenas desfaz ou desregula um sistema, ela estabelece um sistema paralelo, normalmente baseado em algum tipo de força moral, às vezes acompanhado de força material.

Dar uma gorjeta ou uma “caixinha” para que alguém crie uma facilidade para sua vida é apenas um ato consagrado num cotidiano de uma cultura que se afundou na corrupção.

A primeira medida para acabar com a corrupção é olhar no espelho. Se conseguirmos ver em nós possibilidades de assimilarmos as regras vigentes e enfrentarmos a vida sem necessidade de distorcê-las, estaremos longe da corrupção. Mas se algo coçar nossas vontades, ele aparecerá diante de nós. E perguntar “o que se há de fazer?” não resolve nosso problema, apenas o agrava.

Não há uma fórmula universal para se extinguir a corrupção, existem controles sobre a utilização correta das regras. Obviamente, conhecê-las é o primeiro passo. Isso significa compreendê-las, porque, se houver algum entendimento diverso, segui-las é bem difícil.

Preservar-se é, portanto, aprender quais as regras. Se necessário alterá-las, devemos estudar a realidade para que isso seja feito, deixando de ceder a apelos fáceis para estabelecer a corrupção que procure forçar alterações – ou, enquanto estas não ocorrem, dar um “jeito” (ser corrupto, portanto) nas coisas.

O segundo fenômeno que sustenta a miséria humana é a falta de formação. Para combatê-la, a ideia de gerente formador é obviamente necessária.

O que a falta de formação traz para um país é, entre outras coisas, um aumento significativo nos acidentes de trabalho, por exemplo. Há algumas situações bem complicadas: em determinada região, havia o interesse em se instalar uma fábrica de automóveis, mas não havia suficiente mão de obra qualificada para que fosse possível a contratação de funcionários no próprio local de instalação da fábrica, algo que demandou que pessoas de outra região, bem distante, fossem procuradas. As despesas de locomoção e instalação dessas pessoas, além do inevitável processo longo de adaptação ao novo local de moradia, foram as consequências da má formação. Se a empresa insistisse em mão de obra não qualificada, para apenas aproveitar pessoal da região, os investimentos em treinamento seriam muito grandes, para um tempo bem maior para o início de operações com um nível de segurança aceitável.

Um país que não investe em educação condena seus cidadãos a não ter um bom futuro. A remuneração paga aos professores da rede pública define se um país realmente quer sair ou não do subdesenvolvimento. Se a economia produz muito e vende, gera uma aparente riqueza, mas o povo não tem formação, não há como ele possa usufruir muito dessa riqueza. O inevitável será a concentração de dinheiro nas mãos de uma elite bem formada.

Outra faceta da má formação é a falta de condições de reclamar direitos. Quem não os conhece não pode saber o que pode pedir aos governos. Isso inevitavelmente gera abusos do poder sobre os cidadãos. A triste história de que governar mais facilmente consiste em manter o povo na ignorância tem a dramática consequência de não levar o país ao desenvolvimento.

Há vários graus de analfabetismo. O que configura o chamado analfabetismo funcional é a ilusão de que se foi à escola. Isso é possível em países que não levam a sério o rendimento escolar. Currículos inadequados à realidade do mundo e insistência em que não deve haver dificuldade nenhuma em promover alunos pode trazer um grande problema ao país: as pessoas não saberem nem ler ou escrever direito.

Não adianta abrir vagas em escolas públicas e não melhorar o nível dos professores, nem as condições de trabalho. Não resolve nada para os alunos autoridades fazerem um péssimo trabalho que resulte em superlotar salas de aula e não permitir que os alunos tenham um bom aproveitamento dos estudos. Também não há condição de promover alunos que não sabem o mínimo necessário para avançar nos estudos. Toda e qualquer medida que tenta diminuir o trabalho e o custo da educação só aumenta o trabalho e o custo posterior da não educação. Como disse um ex-ministro brasileiro da Educação, educar é caro, mas o preço da não educação é ainda muito mais alto.

Cabe acrescentar um pequeno jogo de palavras: quem não forma deforma. O malefício causado por gerações que não recebem adequada educação é cumulativo: décadas e décadas de atraso. As maiores revoluções humanas ocorreram por conta de maciços investimentos governamentais em educação. Países saíram de crises enormes, algumas que levaram sua gente a sofrimentos gigantescos – um exemplo é o Japão com duas bombas atômicas recebidas ao final da Segunda Guerra Mundial –, por meio da educação de alta qualidade oferecida a seu povo.

Não é apenas o tempo em que as crianças e jovens passam na escola que define a qualidade da educação, mas o tipo de ensino que é ministrado, além do acompanhamento ao desenvolvimento intelectual, afetivo e psicomotor de cada estudante.

As famílias não devem se eximir da educação dos filhos, porque é no seio familiar que se começa a educação. A desestrutura pessoal advinda de choques causados por ruptura nos laços entre marido e mulher, principalmente, tem colaborado muito para a completa desestruturação do interesse dos estudantes por aprender. A indisciplina em sala de aula, um dos maiores problemas enfrentados nos dias de hoje em países que não conseguem entender seus jovens, está relacionada à falta de limites que os pais incorporam ao cotidiano dos filhos. A falsa noção de liberdade sem freios é uma concepção que talvez tente compensar períodos duros de repressão estatal à manifestação livre, possível fato ocorrido com muitos pais, mas isso não deve justificar o extremo oposto: não existir regras, ou elas poderem ser ultrapassadas sem consequências danosas.

A mente corrompida pela emoção, que pode ser a revolta contra um passado difícil, traz uma consequência nefasta para a próxima geração, porque provoca mais confusão emocional ainda na cabeça dos que se estão formando, já que não lhes é ensinado que os espaços públicos são espaços de negociação, não de explosão de individualidades. A maioria dos conflitos escolares de hoje está intimamente relacionada à falta de limites apresentada como saída por pais que não sabem educar a seus infelizes filhos, vítimas dessa deseducação considerada um conceito moderno.

É preciso, pois, em educação, não se filiar a correntes falsas, não enveredar por ilusões. Não se deve retomar a época da repressão com castigos corporais, mas não se deve “impor” a lei do “tudo pode”.

O terceiro fenômeno que é uma das bases da miséria humana é a burocracia.

Uma revista brasileira especializada em pequenas e médias empresas fez uma matéria especial sobre a burocracia no Brasil, publicada em novembro de 2011. São doze páginas que contam histórias absurdas que mostram como a burocracia brasileira destrói qualquer possibilidade de melhorarmos nossa competitividade.

Difícil é iniciar um negócio no Brasil, quase impossível é expandi-lo. A burocracia é o reinado da desconfiança, calcado na estupidez e na presunção de que um papel a mais pode melhorar a vida das pessoas. A ineficiência da política que cria normas e a falta completa de conhecimento da realidade das empresas impede que um país que diz que quer crescer realmente consiga crescer. A única coisa que cresce é a exigência por mais papéis. A inutilidade impera.

Cerca de 70% dos lucros das empresas brasileiras vai para os impostos. Uma verdadeira demolição a quem quer empreender. Há mais de 275.000 normas que detalham quanto, como e quando pagar impostos no Brasil. E isso só considera o que já existia até 5 de outubro de 2011. Como o crescimento é constante, não há como prever a quantas normas chegaremos até o final do mês de janeiro de 2012. O crescimento de normas desde 1995 foi de mais de 80%.

Para ficar em dia com os impostos, um pequeno ou médio negócio gasta por ano, em média, 2.600 horas, o que equivale a 325 dias úteis de trabalho de um funcionário. Não é por acaso que empresas criam departamentos só para lidar com papéis. Em um caso citado no artigo da revista, um engenheiro de obras dois técnicos, em vez de estarem cuidado do projeto e do canteiro de obras, dedicam-se a destrinchar os caminhos dos papéis. Alguém conclui dramaticamente que, no Brasil, a prioridade não é empreender, para um empreendedor, mas, antes de qualquer coisa, ser um tributarista.

Há impostos que têm alíquotas distintas para cada estado, com leis que se alteram a cada legislação, com recolhimentos feitos ora no fornecedor da empresa, ora pelo cliente final ora pela empresa produtora.

A complexidade é tanta que até mesmo um formulário criado por um Ministério conseguia ser preenchido pela pessoa que assinou a portaria de sua criação. O tal formulário não era encontrado nas agências do banco estatal que o deveria distribuir. Curiosamente, esse banco devolvia o formulário com indeferimento, por erro no preenchimento de um item que era justamente o que nem a responsável pela assinatura de criação do documento sabia como preencher. E esse banco teve que ministrar cursos para empreendedores apenas para preencher esse tal item. Muita inutilidade para nenhum resultado prático. O custo de tudo isso é o atraso, a miséria acumulada.

Um cidadão gastou 15.000 reais com certidões em cartórios, numa espera infindável por um financiamento para uma expansão de seu negócio. Isso ocorre porque boa parte das certidões perde a validade em apenas 3 meses. Seu pedido está aguardando mais de 8 para ser liberada.

Tudo o que se gasta com a papelada inútil não traz absolutamente nada para o negócio exceto prejuízos. Para se conseguir entregar um edifício de um prédio de apartamentos um construtor terá, por causa da papelada, que levar 469 dias, um prazo considerado absurdamente alto. Na comparação com outros países que atualmente são equiparados ao Brasil, por quererem se inserir entre os novos países a buscarem desenvolvimento (Rússia, China e Índia), o Brasil é o que leva mais tempo para emitir as licenças para liberação de um imóvel. A Rússia, considerada uma pátria de muita burocracia, leva 423 dias, enquanto a China leva 311, e a Índia leva 227 dias.

Como a legislação muda e incorpora exigências cada vez mais absurdas, há quem contrate funcionários apenas para ler os diários oficiais e pesquisar páginas da internet que tragam as medidas das câmaras de vereadores e das assembleias legislativas estaduais. A burocracia não ajuda ninguém, só atrapalha.

Um empresário está à espera de uma patente há 8 anos. Nesse tempo, pode até haver cópia de sua criação. Nos Estados Unidos, espera-se menos da metade desse tempo. E o que é mais irônico: o órgão público brasileiro responsável pela avaliação de processos de patentes para liberação trabalha ainda com papéis e uma informatização mínima. Sem nenhum investimento em tecnologia, não é possível crescer. A miséria continuará.

Para evitar conflitos e receber multas, há quem desista de investimentos, porque as leis são confusas, apesar de serem muitas as normas.

Ninguém que queira empreender, ou seja, ficar na legalidade, consegue algo no Brasil sem uma dose absurdamente alta de paciência e sem um gasto considerável de dinheiro para ser trocado por papéis. Após ter um projeto técnico aprovado, com alvará de construção – algo que nem rápido nem barato no Brasil –, um empreendedor terá que esperar, no mínimo, 135 dias para conseguir abrir seu negócio legalmente. E terá um custo mínimo de 1.145 reais.

Para que tanta inutilidade? Por que é preciso desconfiar tanto de quem quer ver o Brasil crescer? Por que precisamos tanto de burocratas?

A principal função de um burocrata é passar um papel para outro, numa cadeia quase infinita, que termina com o último burocrata arquivando o papel em alguma pasta, que depois é colocada num arquivo, que obviamente deve ser organizado para futura consulta.

A lentidão não demonstra que isso funciona. A ineficiência não demonstra que papel resolve a vida de ninguém.

Então, por que prosseguimos com essa inutilidade? Porque não sabemos fazer outra coisa melhor. Essa resposta pode parecer um choque para quem a ler, mas é inevitavelmente isso que ocorre.

Ignoramos como produzir resultados porque adoramos a condição de ver bons resultados dos outros. Continuaremos eternamente colonizados enquanto não soubermos dar soluções rápidas e eficientes para questões nossas. Parece que não queremos nunca sair da miséria. E os papéis nos acompanharam para nosso calvário.

O último fenômeno que auxilia como base para a miséria humana é o desperdício.

Desperdiçar não é gastar mais do que se ganha, mas não saber aproveitar o que se produz. Quem mora em algum lugar em que a natureza seja muito rica em produtos primários, tenha excelente clima, não fustigue seus habitantes com tragédias e também não tenha ainda problemas com superpopulação, pode esperar o que além da miséria se consegue desperdiçar quase a metade dos produtos agrícolas que produz? Ou se mal consegue administrar o desperdício de energia elétrica, que chega à incrível marca de 10% do que é produzido?

A tecnologia e a reciclagem permitirão reduzir alguns desperdícios, mas o principal remédio contra ele é a conscientização, ou seja, uma revolução cultural. Esse fenômeno do desperdício torna os países ricos mais absurdamente miseráveis do que os pobres, porque eles jogam riqueza fora todos os dias, em quantidades incrivelmente absurdas. O consumismo desenfreado dos países ricos pode provocar o colapso do planeta.

Como evitar uma verdadeira catástrofe? Talvez provocando a escassez. Muito provavelmente a estupidez humana só aprenderá – se é que aprenderá – quando a crise se tornar completamente mundial. Os mais de 6 bilhões de habitantes do planeta terão que promover muito sacrifício em vários itens supérfluos de consumo, que dependem, para sua produção, de bens de primeira necessidade. Querer que todos tenham luxo, no momento que quiserem tê-lo, não levará a nada além de mais miséria para todos.

Os conflitos aumentarão se a consciência do homem de acabar com a miséria de sua própria condição de ignorar o todo complexo em que vive.

Gerenciar tudo isso não é simples. Cuidar de motivar pessoas e a si mesmo para sobreviver e ter uma condição de qualidade de vida é muito espinhoso. Se optarmos por posições fanáticas, individualistas e mesquinhas, só obteremos catástrofes. Se optarmos por reflexão, ciência, tecnologia, pensamento prático, formação adequada e trabalho sério para darmos sustentabilidade à vida, teremos grandes condições de continuarmos vivos para gerenciar, cada vez melhor, nosso mundo.

Finalizo este trabalho com a esperança de que ainda consigamos vencer nossa própria miséria humana e derrotar o excesso de corrupção, a formação inadequada, o atraso da burocracia e a política de desperdiçar recursos.

Para avançar precisamos querer avançar.

ABOUT AUTHOR

Claudionor Ritondale

Claudionor Aparecido Ritondale, nascido em São Paulo, em 1957. Casado, pai de uma filha, amigo de cães, apreciador de vinhos. Mestre em Língua Portuguesa, com sólidos conhecimentos em Português e na área da Educação. Escritor premiado, com 41 livros editados e vários artigos sobre vários assuntos – poesia, contos, língua portuguesa, filosofia, viagens, crítica literária e de artes, administração. Revisor de textos, professor de Metodologia do Trabalho Científico. Faz palestras, ministra cursos e participa de videoconferências sobre o novo acordo ortográfico, ministra cursos de língua portuguesa pela internet. Autor de apostilas de Filosofia, Sociologia, Língua Portuguesa, Redação, Interpretação de Texto e Literatura para o ENEM. Tradutor de italiano, inglês, espanhol, francês e alemão, para particulares, empresas e editoras (textos técnicos e literários). Aposentado de um banco estatal, com experiência em programas de Treinamento e Desenvolvimento e universidade corporativa. Copyright © 2012 Claudionor Ritondale

Comments are closed.