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CONHECER-SE NÃO SIGNIFICA NADA ESTÁTICO

Li hoje esta frase, que me encantou: “A receita para perpétua ignorância é permanecer satisfeito com suas opiniões e contente com seus conhecimentos”.

Quando pensamos em conhecermos a nós mesmos, temos que entender que nosso entendimento do mundo é resultado da incorporação de valores de outras pessoas em nossas vidas. Somos uma função do outro. Assim como valores se alteram, nós também nos alteramos. Isso significa que conhecemos a nós mesmos em momentos diversos, daí ser o autoconhecimento algo que também evolua. O importante é a sintonia com a mudança.

Não devemos pensar também que há um só parâmetro para o conhecimento, porque muitos são os critérios que podemos adotar. Não nascemos fabricando critérios, apenas raciocinamos sobre os que teóricos propõem e cuidamos para adaptar e fazer nossos próprios a partir de vários modelos.

Com muitas referências, o conhecimento de si mesmo torna-se muito mais complexo. Hoje a quantidade de opções para qualquer mísero entretenimento é imensa, daí ser muito mais difícil saber o que nos encanta e o que faz de nós o que somos.

Certa vez fiquei intrigado com a colocação dos premiados em um concurso literário de que participei. Busquei vários critérios para compreender como tinham chegado os julgadores à decisão. Cheguei a pesquisar em um livro de criatividade a evolução do julgamento da arte ao longo da história da humanidade. Desvendei uma quantidade bastante grande de critérios, foram, ao todo, 35. O último deles foi o de agradável para mim, que é o mais amplamente utilizado como critério de julgamento. Para a autora do livro, se utilizado exclusivamente, empobrece o julgamento, mas pode ser decisivo em caso de alguém que o utilize para si mesmo e resolva tomar a decisão de se excluir do mundo por causa disso (não ser nenhum pouco agradável a si mesmo).

Os critérios devem ser, portanto, múltiplos, não exclusivos. Porém, não se pode utilizar apenas a ideia quantitativa, porque pode haver critérios que não se encaixem nas convicções da pessoa. Um dos critérios apontados para julgamento de criatividade é o conceito platônico de inspiração, que dava conta de criatividade era inspiração divina. Ora, se a pessoa não professa nenhuma crença em Deus, como pode aderir a esse critério?

Nem tudo, portanto, é assimilável como critério. A importância dada a critérios técnicos pode ser importante, mas desde que os compreendamos e façamos um uso não tendencioso demais. Certa feita em um concurso com duas modalidades, feitos em funcionários de dois prédios, houve uma parcial exibida a todos os julgadores. Como em uma das categorias não havia contemplados com os primeiros três lugares de um dos prédios, um dos últimos julgadores resolveu aprimorar seus critérios de tal forma que pudesse de alguma forma reverter o quadro e promover alguém de seu prédio na categoria em que não havia nenhum contemplado entre os três primeiros. Ele não se contentou em ver os dois primeiros lugares de seu prédio numa das categorias, como foi o que ocorreu, ele também queria ver gente de seu prédio contemplada nas duas categorias entre os três primeiros. Isso é julgamento parcial, é autoengano, algo que devemos evitar em todo processo de conhecimento, seja de nós mesmos, seja de qualquer outro objeto a conhecer a partir do julgamento.

Só para aliviar a curiosidade, exibo os 35 critérios que depurei do livro de criatividade que pesquisei:

1.Inspirado. Baseado no conceito platônico de que criatividade é inspiração divina.

2.Insólito. Baseado no conceito de quem vê criatividade como loucura, estranhamento, pela imprevisibilidade, pelo insólito.

3.Intuitivo. Calcado no conceito de que quem é criativo tem grande intuição.

4.Dotado. É a avaliação biológica, daquele que demonstra que nasceu criativo.

5.Associativo. Um conceito a partir do comportamentalismo, por exemplo, de Skinner, quando vê criatividade como fruto de associações.

6.Recombinativo. No conceito da Gestalt, que vê o criativo como aquele que recombina experiências passadas, enquanto que o reprodutivo apenas as relembra.

7.Sublime. No sentido de Freud e dos primeiros psicanalistas, que viam a arte como forma de sublimação de conflitos de base sexual.

8.Rememorativo. Jung vê a criatividade como relembrança de situações atávicas, uma busca de arquétipos universais.

9.Distante. Aqui, a distância é vista do ponto de vista de psicanalistas como E. Kris,  que enxergam a criatividade como a conquista maior da distância das situações geradores de conflitos interiores.

10.Flexível. É o ponto de vista de psicanalistas como Kubie, que veem como criativos os que são flexíveis, enquanto rígidos e convencionais seriam os que só conseguem fazer associações com elementos preestabelecidos.

11.Impetuoso. É o papel da vontade e da coragem, segundo a visão de Otto Rank, para quem o criativo consegue afirmar-se nos desejos pela criatividade, enquanto o neurótico perde-se em seus conflitos, e o adaptado apenas segue as regras impostas pelo seu meio.

12Expansivo e extenso. Conceitos extraídos a partir das observações de Carl Rogers, que vê na autorrealização a expressão do potencial criativo, que se realizaria como expansão e extensão expressiva.

13.Imerso. É o conceito de Rollo May, para quem encontrar intensamente uma ideia, estar imerso totalmente nela, é a característica maior do ser criativo.

14.Realizado. Um conceito de vários humanistas, mas bem mais desenvolvido por Maslow, que considera os seres criativos como os que se realizaram intelectual e pessoalmente.

15.Espontâneo. Derivado das concepções de Piaget de assimilação (apenas iniciando o processo de espontaneidade) e acomodação (quando o desenvolvimento da personalidade está maduro e a criatividade torna-se, então, plenamente acomodada, espontânea).

16.Amoroso. Na consideração de Gowan de que a base para a criatividade é o amor: vê-se no criativo a capacidade de realizar esse amor.

17.Autoidentificado. Para Lesner e Hillman, as forças da libido convergem, durante a vida, para diferentes focos de valorações, mas o cerne é a autoidentificação.

18.Divergente. É o conceito mais elaborado, trazido por J. P. Guilford e seguido por Paul Torrance. Calca-se nas ideias de fluência, flexibilidade, originalidade e elaboração. O produto que oferecer maior sentido de variedade, de divergência, será mais fluente, flexível, original e elaborado.

19.Integrador. Segundo as teorias psicofisiológicas que se baseiam nos hemisférios cerebrais, os produtos mais criativos seriam elaborados a partir de uma grande integração dos dois hemisférios cerebrais (direito e esquerdo).

20.Original para a época e o meio. A partir das abordagens sociológicas, os exemplos maiores de criatividade seriam os que ultrapassam o meio social e a época.

21.Imaginativo. As abordagens psicodélicas privilegiam as grandes descargas de imagens como reveladoras do ser mais criativo.

22.Promissor. O sentido de promissor está ligado à abordagem instrumental, que vê o ser criativo comparado a um investidor de ações, que compra na baixa e vende na alta, depois da valorização que apenas “ele” viu nos papéis.

23.De pasmar. É o ponto de vista de quem está pesquisando a criatividade como processo, baseando na conclusão de textos como os de Fernando Pessoa citado no livro, à página 54, que vê a criatividade como um olhar nítido e dotado do “pasmo essencial” de uma criança.

24.Iluminador. A partir da noção de incubação, ter-se-ia uma iluminação, vinda depois de um período de descanso, quando se está fazendo outra coisa, mas há um preparo por parte do ser criador, que encontra a iluminação na ocasião do lazer incubador.

25.Fonte de descobertas. Aqui, a ideia do acaso, de quem não está procurando algo e acaba fazendo uma descoberta por acidente ou sorte, é o tal princípio da serendipidade.

26.Revolucionário. No sentido de Mackinnon, o produto criativo é o que rompe com princípios antigos.

27.Novo. Obviamente, este adjetivo não poderia faltar; aqui, é visto a partir das prospecções de Bessemer e Treffinger, que enxergam a novidade como reveladora da criatividade. Novo, para esses autores, é ser sugestivo, estatisticamente infrequente e transformador.

28.Satisfatório. Ainda segundo Bessemer e Treffinger, os autores que mais trabalharam a questão da criatividade, satisfatório seria o produto que atendesse melhor a certas necessidades ou servisse melhor para resolver situações problemáticas.

29.Atrativo. Seria o produto que chamasse a atenção do usuário, ainda segundo as pesquisas de Bessemer e Treffinger.

30.Complexo. Completando o pensamento de Bessemer e Treffinger, o produto criativo contém muitos elementos no mesmo nível ou em níveis diferentes.

31.Inesperado. É o conceito de heurístico, traduzido da teoria de Amabile, ou seja, aquele que resulta de uma solução nova, mesmo que ela seja apenas nova para quem a produz.

32.Relevante. Das concepções atuais, do Centro de Estudos em Criatividade, da Universidade de Búfalo, de cujo último congresso a autora do livro que estamos estudando participou, é um conceito que salta à vista, repetindo alguns outros, mas aqui é bastante importante. Criativo é aquilo que é visto com certo destaque, que confere ao produto algo de importante.

33.Elegante. Também baseado nas conclusões do último Congresso da Universidade de Búfalo, é o produto estético, com preocupações na apresentação próxima da perfeição, no acabamento.

34.Sintonizado com meu momento. Pelas conclusões do Congresso da Universidade de Búfalo, faz diferença o “quando” na avaliação de um produto criativo.

35.Agradável para mim. É o conceito mais amplamente utilizado como critério, às vezes fazendo-se acompanhar do anterior. Ele, considerado isoladamente, segundo as conclusões do Congresso da Universidade de Búfalo e da autora, é empobrecedor do julgamento.

Pode-se ver, pela variedade e complexidade dos critérios, que conhecer algo é realmente um desafio. Conhecer-se é invariavelmente algo também desafiador.

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Claudionor Ritondale

Claudionor Aparecido Ritondale, nascido em São Paulo, em 1957. Casado, pai de uma filha, amigo de cães, apreciador de vinhos. Mestre em Língua Portuguesa, com sólidos conhecimentos em Português e na área da Educação. Escritor premiado, com 41 livros editados e vários artigos sobre vários assuntos – poesia, contos, língua portuguesa, filosofia, viagens, crítica literária e de artes, administração. Revisor de textos, professor de Metodologia do Trabalho Científico. Faz palestras, ministra cursos e participa de videoconferências sobre o novo acordo ortográfico, ministra cursos de língua portuguesa pela internet. Autor de apostilas de Filosofia, Sociologia, Língua Portuguesa, Redação, Interpretação de Texto e Literatura para o ENEM. Tradutor de italiano, inglês, espanhol, francês e alemão, para particulares, empresas e editoras (textos técnicos e literários). Aposentado de um banco estatal, com experiência em programas de Treinamento e Desenvolvimento e universidade corporativa. Copyright © 2012 Claudionor Ritondale

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