(TRADUÇÃO DE CLAUDIONOR APARECIDO RITONDALE)
EL PAIS
Edição de Barcelona Diário Independente da Manhã, Sexta-feira, 10 de janeiro de 1992
Os assaltantes deixaram sobre a porta carbonizada a inscrição ‘Negros no zôo’
Desconhecidos queimam em Granada uma casa de imigrantes africanos com cinco deles dentro
RAFAEL LOPEZ, Granada. “Nós não temos nenhuma culpa de ser negros. Quiseram matar-nos.” Assim se expressava ontem o senegalês Nar Diouf horas depois de que uns desconhecidos borrifaram gasolina e ataram fogo à casa que divide com outros nove africanos no bairro granadino de Albaicín. Parte da porta incendiou, causando uma intensa labareda que obrigou aos cinco imigrantes que se encontravam dentro a saltar pela janela. Em conseqüência da queda, dois deles ficaram levemente feridos. Sobre as madeira da porta carbonizada alguém escreveu: “Negros no zôo”. O governador civil de Granada Gerardo Entrena, descartou qualquer intencionalidade racista e comentou que a pintura poderia ser um estratagema para despistar a polícia.
Às 19h00 da última quarta-feira um grupo de indivíduos borrifou com gasolina a porta da casa em que vivem os dez africanos. Segundo relatou Diouf, cinco dos dez imigrantes se encontraram no domicílio no momento dos fatos. Alarmados pela fumaça e pelo fogo, saíram depressa por uma das janelas e, posteriormente, abafaram o incêndio, que chegou a destruir roupas amontoadas junto à porta e deixou completamente enegrecidas as paredes. Os vitimados asseguraram haver tido “muita sorte” pelo fato de que as chamas não alcançaram vários botijões de gás no andar superior.
“Quiseram matar-nos”, afirmou Diouf, que afirmou que no interior da habitação se podia perceber um forte cheiro de gasolina. Esta ato extremo foi confirmado pela Polícia Nacional e pelo Corpo de Bombeiros de Granada, o qual confirma a intencionalidade do sucedido.
Situação geral
Dois dos imigrantes ficaram feridos, um deles no ombro, ao tentar sair pela janela. Membros da Polícia Local transportaram-nos para o serviço de urgências do hospital Clínico de Granada, onde foram atendidos e foi-lhes concedida alta ao apresentarem somente feridas leves. Os bombeiros, que deslocaram três viaturas até o local do acontecimento, não necessitaram intervir já que quando de sua chegada já havia sido debelado o fogo.
Nar Diouf qualificou o ato vândalo de “racismo puro”, e acrescentou: “Nós não temo nenhuma culpa de ser negros. Na África residem numerosos brancos e certamente ninguém lhes queima as casas. É incompreensível que ocorram fatos como estes a estas alturas do século”. Acrescentou que todos os seus companheiros têm regularizada sua situação legal na Espanha.
O governador civil de Granada, Gerardo Entrena Cuesta, descartou entretanto o motivo racista dos autores do atentado e indicou a probabilidade de que se trate de “um ajuste de contas”. Entrena sugeriu que a policia siga a pista dos possíveis autores, de quem disse que se suspeita a identidade.
Entrena negou também que os autores sejam vizinhos dos imigrantes, que residem em uma modesta habitação da rua Beteta, na parte baixa do bairro de Albaicín, para a qual pagam 70.000 pesetas mensais. A cerca da pintura aparecida na porta, na qual se lê “Negros no zôo”, o governador indicou que “está escrita com letra pequena e sua intenção pode ser a de despistar a polícia”.
Dos 10 inquilinos da casa, oito procedem do Senegal, um da Mauritânia e outro de Gâmbia. Segundo manifestaram, a maioria vive na Espanha desde já mais de cinco anos e elegeram Granada como lugar de residência pela “sua grande tolerância e a ausência de fatos racistas”. Diouf assinalou que a maior parte dos inquilinos se dedicam à venda ambulante. Segundo o governador, as suspeitas se dirigem para outros vendedores com os quais podem manter algum tipo de enfrentamento.
A polícia tem dado conhecimento das diligências abertas ao juizado de Instrução número 6 de Granada, que se encontra de guarda, depois de que tomaram declaração dos vitimados.
Transferência forçada
R.L., Granada. “É evidente que na Espanha também há racismo”, disse Nar Diouf, um dos imigrantes a quem lhe tentaram queimar a casa onde dormia com outros nove companheiros. “Mas também é certo – assinala Diouf – que não é maioria, e que a população em geral nos trata bem. Viemos aqui para buscarmos a vida e poder alimentar a nossas famílias, das quais estamos separados. Somos honrados, estamos na Espanha legalmente e não é lógico que ocorram coisas como esta.”
Os vitimados decidiram abandonar o imóvel, no qual vivem já faz sete meses, “enquanto seja possível”. “Não podemos continuar vivendo aqui mais tempo porque podem atentar outra vezes contra nós. Estamos obrigados a ir-nos desta casa, mas não queremos deixar Granada, onde estamos já há muitos anos”, disseram.
Ainda que tenham agradecido a ajuda dos vizinhos para apagar o fogo e tenha assegurado de não ter tido problemas com a vizinhança, os africanos não se sentem seguros em seu domicílio. “Damo-nos bem com as pessoas, mas a qualquer momento pode repetir-se ouro incêndio como este, o que põe em perigo nossa segurança. Não nos transferimos voluntariamente. Esta é uma transferência forçada” esclareceu Diouf. Todos manifestaram sua vontade de prosseguir seu trabalho como vendedores ambulantes. “Não gostamos muito deste trabalho porque é duro e freqüentemente nos deparamos com a incompreensão das pessoas, que não compram muito – apontaram- , mas não temos outro.”
Os imigrantes vitimados incorreram em contradições ao falar dos possíveis autores do atentado. Uns disseram que algumas vezes foram insultados por ser negros e mostraram suspeitar de “certos indivíduos” outros asseguram carecer de presunções. Fontes oficias apontaram que essas contradições podem dever-se ao temor de sofrer eventuais represálias.
Atividades de Observação e Investigação
1- Eis aqui a notícia de um acontecimento ocorrido em Granada. O caráter excepcional e criminal do mesmo motivou que dele se derive um texto jornalístico, para tanto uma situação real na qual se produz uma agressão que atenta contra a vida de uma série de pessoas provoca a aparição deste texto na imprensa nacional. Até que ponto os fatos ocorridos desencadeiam esta comunicação em uma mídia jornalística? Recolhe-se na informação uma descrição detalhada da situação noticiosa?
2- A notícia foi dada por dois títulos, uma entrada (“lied”) e o corpo da informação. Que função tem esta distribuição da notícia? Há também um apoio gráfico, é um elemento de adorno ou supõe uma informação essencial?
3- Qual é o tema, ou macroproposição temática, com o qual se pode resumir e condensar todo o significado do acontecido?
4- O corpo da informação compreende várias seqüências, em cada uma delas se pode distinguir um tópico seguido de seu comentário ou um subtema desenvolvido por seu correspondente tema. Você seria capaz de assinalar as diferentes seqüências e seus correspondentes focos semânticos?
5- Vamos analisar agora a primeira seqüência no nível de suas frases constitutivas. Assinale as proposições contidas nela e as correspondentes conexões e conectivos entre cada frase.
REFLEXÃO SOBRE AS ESTRUTURAS TEXTUAIS
O texto é uma estrutura sintática, semântica e pragmática constituída por vários níveis de organização, que vão mais além do que a cadeia de orações, frases ou palavras que o constituem. Para que um discurso tenha categoria de texto é preciso que esteja dotado de uma superestrutura temática que lhe dê coerência; uma coerência que é chamada global, pois afeta ao conjunto de seus significados parciais, que adquirem desta maneira uma totalidade significativa. Um conjunto de orações que careçam de tema, capaz de relacionar seus significados, é um não-texto, uma realidade discursiva que não pode receber o nome de texto.
Por exemplo, observemos o seguinte texto:
Maria estava brincando com sua nova bola roxa no jardim da casa. Apesar de que sua mãe lhe havia advertido para ter cuidado, começou a atirar a bola contra a parede da casa. De repente, a bola atingiu uma das janelas; o vidro quebrou-se e os pedacinhos de vidros dispersaram-se por todos os lados…
O tema que dá coerência a todo o relato poderia definir-se assim: “Maria quebrou o vidro de uma janela com uma bola”.
Para estabelecer o tema de um texto podem-se seguir as seguintes regras, às quais há aludimos no capítulo 3:
a) Suprimir aqueles elementos que não sejam essenciais.
b) Generalizar os conceitos mais globalizadores ou includentes.
c) Construir uma proposição que denote o mesmo fato, comum aos diversos episódios do texto.
No exemplo citado utilizamos a primeira regra para eliminar todas aquelas informações que resultam detalhes secundários para a compreensão da idéia principal, suprimimos todos os elementos que não estão em negrito.
Num texto, se é suficientemente extenso, podem-se distinguir várias seqüências de significados ou subtemas que percorrem sua estrutura, constituindo uma série de isotopias. Desta forma, cada seqüência está dotada de uma coerência linear graças à qual nela se trata de um tópico de conversação seguido de seu comentário.
Estes subtemas recebem também o nome de tópicos de discurso. Como vimos, os tópicos são seguidos de uma expansão significativa ou comentário. Os tópicos de um texto estão hierarquizados. O conjunto dos tópicos está vinculado com a seqüência como um todo.
Uma macroestrutura é uma representação semântica de um tópico que dá coerência linear a uma seqüência. Num discurso pode haver vários níveis de organização de uma macroestrutura. Por exemplo, na seguinte passagem de O Decamerão de Boccaccio:
Este Rufolo, pois, tendo feito a série de cálculos preliminares que os comerciantes fazem normalmente, adquiriu um barco muito grande, carregou-o com um carregamento misto de bens pagos inteiramente de seu bolso e embarcou com eles a Chipre. Mas à sua chegada descobriu que outros vários barcos haviam atracado ali, levando precisamente o mesmo tipo de bens que ele havia trazido. E por esta razão, não só teve que malbaratar (vender abaixo do preço do custo) seu carregamento, mas também, para completar seus negócios, esteve praticamente forçado a dar de presente a mercadoria, levando-o isto às raias da ruína.
O tópico deste fragmento pode-se expressar assim: “Um comerciante é arruinado pelo desempenho”. Uma análise mais detalhada do conteúdo pode indicar os seguintes elementos: as ações preparatórias (fazer cálculos), as ações auxiliares (adquirir um barco), as ações subseqüentes (carregar o barco e viajar a Chipre) e o desenlace final (malbaratar seu carregamento, arruinar-se).
Podemos dizer, em termos cognitivos, que a superestrutura textual coincide com o resumo do texto; ou que o tópico de uma seqüência equivale àquilo que se fixa na memória uma vez que se tenham esquecido os detalhes acessórios.
As seqüências, por sua vez, constam de frases estruturadas sintaticamente e dotadas de uma coerência local que lhes proporciona um significado aceitável dentro de um mundo atual ou possível. As frases se relacionam entre si por meio de conexões explícitas que realizam uns conectivos concretos ali presentes.
Um dos elementos que permite a coerência linear é a correferência, que se realiza mediante a identidade que dá o leitor a elementos cuja alusão costuma ser contínua; assim na seguinte seqüência:
João foi ao zoológico. Ele tirou uma foto de um tigre.
A cooperação interpretativa do leitor permite relacionar o nome próprio (“João”) e o pronome pessoal (“Ele”) com o mesmo actante.
No nível de frases, as conexões sintáticas realizam a função de permitir expressar a continuidade da ação relatada, que dá lugar à coerência local. Neste exemplos:
“Encostei-me e acabei dormindo”.
“Encostei-me, mas não pude dormir”
“Encostei-me e me pus a nadar”,
os enlaces conjuntivos (“e”, “mas”, “e”) cumprem a função de permitir a continuidade das ações apresentadas dentro de nosso mudo habitual, no caso das duas primeiras. A terceira só será verossímil em um mundo possível no qual a cama consista em uma espécie de “colchão” flutuando na água.
O texto configura-se em uma situação, a partir da qual adquire uns elementos referencias e um significado. O texto é uma resposta discursiva aos interrogantes que a própria situação delineia. Por exemplo, um quadro textual típico como a “festa de aniversário”, o “casamento”, “o acidente de trânsito”, o “supermercado”, etc., provoca um texto característico que pode ser descrito a partir do próprio enquadramento proporcionado pela situação na qual se produz e na qual adquire uma coerência temática, dentro de uma cultura e de um mundo atual ou possível determinado. Cada situação constitui um marco (frame) que provoca um tipo de discurso característico, segundo os moldes estabelecidos nas práticas sociais de comunicação dentro de um cultura determinada e uma tradição discursiva específica.
Esta articulação entre os diversos níveis de construção textual, podemos representá-la no seguinte esquema: