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ÂMBITO DISCURSIVO: ASPECTOS DE UMA SEMÂNTICA TEXTUAL

4.2. ÂMBITO DISCURSIVO: ASPECTOS DE UMA SEMÂNTICA TEXTUAL

E. Trives (in: Aspectos de semântica lingüístico-textual. Madrid, Istmo /Alcalá, 1979).

(TRADUÇÃO DE CLAUDIONOR APARECIDO RITONDALE)

Os avatares da ciência, em sua filogênese, começam a dar razão a Sartre, em sua tese do contágio das idéias. A qual tem, entre outras, um profundo ensinamento: a enfermidade provoca o germe de sua cura, para seguir na mesma direção. Uma falsa perspectiva, um erro de cálculo podem passar despercebidos enquanto o umbral dos fenômenos de estudo não estejam sensivelmente afetados, mas, abaixo de tal umbral, cobram relevo e figura, dando passo à teoria subseqüente, ao próximo falseamento da realidade, à próxima convenção coletiva, em um processo de radical falsificação interminável.

 

4.2.1. Para o caso que me interessa, uma leitura parcial do delineamento lingüístico do Curso de Saussure, segundo creio, tem sido responsável pelo progresso da “lingüística estrutural”, e, justo é dizê-lo, também de sua própria decadência. A restrição metodológica, com efeito, segundo a qual o sistemaé estudável em si, foi frutífera em uma época embriagada por observações concretas, dados, que reclamavam ordenamento, geometrização, algebrização. Mas isto era radicalmente falso a se considerar as próprias limitações metodológicas do estudo como o único estudável: se se estudava a sistematicidade em níveis mínimos, por que não encontrar sistematicidade em níveis superiores? Mas o erro que a “lingüística do texto” imputou à “lingüística saussureana” não é com a devida razão imputável a F. de Saussure. A urgência e oportunidade metodológica do estudo da “microssistematicidade” pode contribuir para uma leitura errônea do Curso, em forma parcial ou descontextualizada, excluindo a “macrossistematicidade”, com argumentos de autoridade que não se sustentam, no meu modo de ver, validamente no Curso em sua integridade (396).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

NOTA 396: Uns textos de Ferdinand de Saussure creio que podem apoiar legitimamente o que estou dizendo: Curso de Lingüística Geral, Cultrix, edição brasileira de 1975 (pp. 21-22): “Cumpre acrescentar uma faculdade de associação e de coordenação…; é essa faculdade que desempenha o principal papel na organização da língua enquanto sistema.

Para bem compreender tal papel, no entanto, impõe-se sair do ato individual, que não é senão o embrião da linguagem, e abordar o fato social.

Entre todos os indivíduos assim unidos pela linguagem, estabelecer-se-á uma espécie de meio-termo: todos reproduzirão – não exatamente, sem dúvida, mas aproximadamente – os mesmos signos unidos aos mesmos conceitos.

Qual a origem dessa cristalização social? Qual das partes do circuito pode estar em causa? Pois é bem provável que todos não tomem parte nela de igual modo.

A parte física pode ser posta de lado desde logo. Quando ouvimos falar uma língua que desconhecemos, percebemos  bem os sons, mas devido à nossa incompreensão, ficamos alheios ao fato social.

A parte psíquica não entra tampouco totalmente em jogo: o lado executivo fica de fora, pois a sua execução jamais é feita pela massa; é sempre individual e dela o indivíduo é sempre senhor; nós a chamaremos fala (parole).

…Se pudéssemos abarcar a totalidade das imagens verbais armazenadas em todos os indivíduos, atingiríamos o liame social que constitui a língua. Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo.

Como  separar a língua da fala, separa-se ao mesmo tempo: 1º, o que é social do que é individual; 2º , o que é essencial do que é acessório e mais ou menos acidental.

A língua não constitui, pois, uma função do falante: é o produto que o indivíduo registra passivamente…

A fala é, ao contrário, um ato individual de vontade e inteligência…”

Páginas 29-31: “Nossa definição da língua supõe que eliminemos dela tudo o que lhe seja estranho ao organismo, ao seu sistema, numa palavra: tudo quanto se designa pelo termo ‘lingüística externa’ …

… o lingüista deve também examinar as relações recíprocas entre a língua literária e a língua corrente; pois toda língua literária, produto da cultura, acaba por separar sua esfera de existência da esfera natural, a da língua falada.

…se se procuram os fatores que criaram uma língua literária em face dos dialetos, poder-se-á sempre usar a enumeração simples; se se ordenam os fatos de modo mais ou menos sistemático, isto é feito unicamente devido à necessidade de clareza.

No que concerne à Lingüística interna, as coisas se passam de modo diferente: ela não admite uma disposição qualquer; a língua é um sistema que conhece somente sua ordem própria.

…é interno tudo quanto provoca mudança do sistema em qualquer grau.”

Página 141: “… em toda parte e sempre, esse mesmo equilíbrio de ermos complexos que se condicionam reciprocamente. Dito de outro modo, a língua é uma forma e não uma substância.”

Páginas 143-145: “… a noção de sintagma se aplica não só às palavras, mas aos grupos de palavras, às unidades complexas de toda dimensão e de toda espécie (palavras compostas, derivadas, membros de frase, frases inteiras).

…A frase é o tipo por excelência de sintagma. Mas ela pertence à fala e não à língua… É próprio da fala a liberdade das combinações; cumpre, pois , perguntar se todos os sintagmas são igualmente livres. (destaque nosso).

Há, primeiramente um grande número de expressões que pertencem à língua: são as frases feitas… Esses torneios não podem ser improvisados: são fornecidos pela tradição…

Mas isso não é tudo: cumpre atribuir à língua e não à fala todos os tipos de sintagmas construídos sobre formas regulares(destaque nosso, por sua importância ôntica e seu injustificado esquecimento na lingüística subseqüente). Com efeito, como não existe nada de abstrato na língua, esses tipos só existem quando a língua registrou um número suficientemente grande de espécimes. Quando uma palavra como a francês indecorable ou a portuguesa indeclinável surge na fala, supõe um tipo determinado… Sucede exatamente o mesmo com frases e grupos de palavras estabelecidos sobre padrões regulares; combinações como a terra girao que ele te disse etc. respondem a tipos gerais, que têm, por sua vez, base na língua sob a forma de recordações concretas. (destaque nosso)

Cumpre reconhecer, porém, que no domínio do sintagma não há limite categórico entre o fato de língua, testemunho de uso coletivo, e o fato de fala, que depende da liberdade individual. Num grande número de casos, é difícil classificar uma combinação de unidades, porque ambos os fatores concorreram para produzi-la e em proporções impossíveis de determinar.(Destaque nosso. Veja-se a respeito a discussão Coseriu – Pottier sobre “fatos de língua” / “fatos de realidade”, segundo o tratamento que reserva a tal problema Ulrich Püschel, por exemplo, em Relações Semântico-sintáticasAnálise sobre a compatibilidade lexical do sintagma em Alemão, Niemeyer, Tübingen, 1975, pp. 63-68)

Páginas 148-149: “O conjunto de diferenças fônicas e conceptuais que constitui a língua resulta, pois, de duas espécies de comparações: as aproximações são ora associativas, ora sintagmáticas; os agrupamentos de uma e de outra espécie são, em grande medida, estabelecidos pela língua; é esse conjunto de relações usuais que a constitui e que lhe preside o funcionamento.

A primeira coisa que nos chama a atenção nessa organização são as suas solidariedadessintagmáticas: quase todas as unidades da língua dependem seja do que as rodeia  na cadeia falada, seja das partes sucessivas de que elas próprias se compõem.

…O todo vale pelas suas partes, as partes valem também em virtude de seu lugar no todo, e eis por que a relação sintagmática da parte com o todo é tão importante quanto a das partes entre si.

Esse é um princípio geral, que se verifica em todos os tipos de sintagma enumerados mais acima; trata-se sempre de unidades mais vastas, compostas elas próprias de unidades mais restritas, umas e outras mantendo uma relação de solidariedade recíproca. (destaque nosso).

A língua apresenta, em verdade, unidades independentes, sem relação sintagmática, quer com suas próprias partes, quer com outras unidades. Equivalentes de frases tais como sim, não, obrigado etc., são bons exemplos disso. Mas esse fato, de resto excepcional, não basta para comprometer o princípio geral. Via de regra, não falamos por signos isolados, mas por grupos de signos, por massas organizadas, que são elas próprias signos. (destaque nosso). Na língua, tudo se reduz as diferenças, mas tudo se reduz também a agrupamentos. Esse mecanismos, que consiste num jogo de termos sucessivos, se assemelha ao funcionamento de uma máquina cujas peças tenham todas uma ação recíproca, se bem que estejam dispostas numa só dimensão.

Páginas 150-152Nossa memória tem de reserva todos os tipos de sintagmas mais ou menos complexos, de qualquer espécie ou extensão que possam ser, e, no momento de empregá-los, fazemos intervir os grupos associativos para fixar nossa escolha… (destaque nosso).

Esse princípio se aplica aos sintagmas e às frases de todos os tipos, mesmos os mais complexos. (destaque nosso). No momento em que pronunciamos a frase ‘que lhe disse?’ (a você), fazemos variar um elemento num tipo sintagmático latente –  destaque nosso –, por exemplo ‘quete disse?’ – ‘que nos disse’ etc., e é por isso que nossa escolha se fixa no pronome lhe. Assim, nessa operação, que consiste em eliminar mentalmente tudo quanto não conduza à diferenciação requerida no ponto requerido, os agrupamentos associativos e os tipos sintagmáticos estão ambos em jogo. (destaque nosso).

…Ora, em todos os casos desse gênero, o som isolado, como todas as outras unidades, será escolhido ao cabo de uma oposição mental dupla: … em oposição sintagmática com aqueles que o circundam e em oposição associativa com todos os que o espírito possa sugerir.”

Com efeito, parece-me suficientemente evidente – conferir a nota 396 – a tese saussureana, terrivelmente atual, de uma tipologia sintagmática latente, segundo assinala o próprio Saussure ao falar de “tipo sintagmático latente”, em uma curiosa relação englobante com relação à “sintaxe”, posto que “Nem todos os fatos da sintagmática se classificam na sintaxe, mas todos os fatos de sintaxe pertencem à sintagmática”. (397)

 

Nota 397: Ib., p. 158 (edição brasileira). Não em vão assinala o autor de As fontes manuscritas do Curso de Lingüística Geral, Robert Godel, em um oportuno artigo, “Problemas de  lingüística saussureana”, pp. 75-89, em Cadernos de Ferdinand de Saussure, 29, 1974-75, Droz, Genève, 1975, p. 75: “A influência do pensamento saussureano sobre o desenvolvimento ulterior da lingüística prende-se assim na maior parte à tomada de posição em relação à tal ou tal tese, como o constatou G. Lepschy, que se limitou, não sem pesar, a apresentar a teoria saussureana dentro desse quadro pintado como tradicional.

 

 

fala, mesmo que não especialmente tratada por F. de Saussure, não é descartada de seus propósitos, com clara incidência no texto, posto que “Via de regra, nós não falamos por signos isolados, mas por grupos de signos, por massas organizadas que são em si mesmas signos”, segundo a acertada afirmação do genial autor do Curso.

Não obstante pese ao integral ideário lingüístico saussureano, a lingüística que reclamou seu nome esteve centrada no âmbito da “frase”, não aceitando razões qualitativas, senão meramente quantitativas, para abordar a problemática supra-oracional (398).

 

 

NOTA 398: ANDRÉ MARTINET, A lingüística sincrônica. Estudos e investigações, 1968, pp. 219-220: “Mas o que explica a fundo que se possa fazer lingüística perfeitamente sem apenas falar da frase é que não há nada no discurso que não esteja já na frase. Lingüisticamente, uma frase é algo completamente diferente da soma das palavras que a forma, já que o francês Pierre bat Paul (Pierre vence Paul) é diferente de Paul bat Pierre (Paul vence Pierre). Pelo contrário, um enunciado não é apenas a sucessão de frases que o compõem. Então, é compreensível que se possa identificar frase e discurso, posto que o discurso não tem nada que não esteja na frase. Para analisar as manifestações de uma língua determinada se irá, pois, diretamente ao segmento menor que seja perfeita e integramente representativo, isto é, a frase…”

 

 

 

 

4.2.2. Especial menção merece por seu tirocínio e força argumentativa a figura e obra de Émile Benveniste. É tentadora sua sistemática por acertada e compacta, que não despreza aspectos centrais da linguagem como o discurso, o texto. Fiel, neste sentido, mais à letra que ao que, modestamente creio, foi o espírito do ideário saussureano, não sacrifica, ao contrário, a ampla variedade de aspectos da linguagem.

A lingüística como ciência, disse Benveniste, só estuda o paradigmatizável, e, com base em sua força paradigmática, o combinável em níveis superiores. O mais além oracional, para Benveniste, simplesmente não existe no âmbito da língua e, portanto, não pode ser objeto da lingüística. Tem-se que passar, segundo Benveniste, da lingüística à ciência do discurso, posto que do sistema ou língua (langue) se passa à atualização ou fala (parole). (399) .

 

 

NOTA 399: ÉMILE BENVENISTE, Problemas de Lingüística Geral, 1966, edição brasileira de 1976, pp. 137-140: Com a frase transpomos um limite… Podemos segmentar a frase, não podemos empregá-la para integrar. Não há função proposicional que uma proposição possa executar. Uma frase não pode, pois, servir de integrante a outro tipo de unidade. Isso se prende antes de tudo ao caráter distintivo entre todos, inerente à frase, de ser um predicado. Todos os outros caracteres que se podem reconhecer-lhe são secundários com relação a esse… A frase não é uma unidade formal que teria por unidades “frasemas” delimitados e oponíveis entre eles. Os tipos de frases que se poderiam distinguir reduzem-se todos a um único, a proposição predicativa, e não existe frase fora da predicação. É preciso, portanto, reconhecer que o nível categoremático comporta somente uma forma específica de enunciado lingüístico, a proposição; esta não constitui uma classe de unidades distintas. É por isso que a proposição não pode entrar como parte numa totalidade de ordem mais elevada. Uma proposição pode apenas preceder ou seguir outra proposição, numa relação de seqüência. Um grupo de proposições não constitui uma unidade de uma ordem superior à proposição. Não há nível lingüístico além do categoremático.

…a frase contém signos, mas é ela mesma um signo.

Os fonemas, os morfemas, as palavras (lexemas) podem contar-se; existem em número finito. As frases, não.

Os fonemas, os morfemas, as palavras (lexemas) têm uma distribuição no seu nível respectivo, um emprego no nível superior. As frases não têm nem distribuição nem emprego.

Um inventário dos empregos de uma palavra poderia não acabar; um inventário dos empregos de uma frase não poderia nem mesmo começar.

…com a frase deixa-se o domínio da língua como sistema de signos e se entra num outro universo, o da língua como instrumento de comunicação, cuja expressão é o discurso…

A frase pertence bem ao discurso. È por aí mesmo que se pode defini-la: a frase é a unidade do discurso. Encontramos a confirmação nas modalidades de que a frase é susceptível: reconhece-se em toda parte que há proposições assertivas, proposições interrogativas, proposições imperativas, que se distinguem por traços específicos de sintaxe e de gramática, e se apóiam igualmente na predicação. Ora, essas três modalidades apenas refletem os três comportamentos fundamentais do homem falando e agindo pelo discurso sobre o seu interlocutor.. correspondendo cada uma a uma atitude do locutor.

A frase é uma unidade, na medida em que é um segmento de discurso, e não na medida em que poderia ser distintiva com relação a outras unidades do mesmo nível… É, porém, uma unidade completa, que traz ao mesmo tempo sentido e referência: sentido porque é enformada de significação, e referência porque se refere a uma determinada situação. Os que comunicam têm justamente isto em comum, uma certa referência de situação, sem a qual a comunicação como tal não se opera, sendo inteligível o “sentido” mas permanecendo desconhecida a “referência”.

Vemos nessa dupla propriedade da frase a condição que a torna analisável para o próprio locutor…, o signo é a unidade mínima da frase susceptível de ser reconhecida idêntica num meio diferente, ou de ser substituída por uma unidade diferente num meio idêntico.

É no discurso atualizado em frases que a língua se forma e se configura. Aí começa a linguagem. Poder-sei-ia dizer decalcando uma fórmula clássica: nihil est in lingua quod non prius fuerit in oratione (nada existe na língua que não tenha primeiro existido na oração).

 

 

 

A ponte está lançada e sua argumentação é teoricamente irrepreensível, a menos que se demonstre por pequenos detalhes em sua base argumentativa, como parece ser o caso, ao menos implicitamente, para alguns, que não vêem necessidade de tal ponte. Os autores que, como Brekle, Schmidt, Schneider etc., seguem a tríade morrisiana, parecem dar razão a Benveniste em sua exigência de uma ciência do discurso, com a ressalva de que tais autores ancoram o mecanismo discursivo na pragmática, enquanto que Benveniste centra-o na semântica. (400).

NOTA 400: ÉMILE BENVENISTE, Problemas de Lingüística Geral II, Paris, Gallimard, 1974, capítulo XV, “A forma e o sentido na linguagem”, pp.215-238: “… Cabe-nos, portanto, a incumbência de tentar ir mais adiante do que o ponto onde Saussure chegou na análise da língua como sistema significante… tudo o que diz respeito à semiótica tem por critério necessário e suficiente o que se pode identificar no seio e no uso da língua. Cada signo entre em uma rede de relações e de oposições com outros signos que o definem, que o delimitam no interior da língua. Quem diz “semiótica”, diz “intra-lingüística”. Cada signo em naquilo próprio que o distingue outros signos. Ser distintivo, ser significante, é a mesma coisa… deve-se entender que os signos se dispõem sempre e somente em relação dita paradigmática. Deve-se, portanto, incluir na semiologia, além das diversas categorias de signos, os modelos e os esquemas segundo os quais os signos se engendram e se organizam: os paradigmas, no sentido tradicional (flexão, derivação etc.)… Se o inventário semiótico compreende o signo “se” (conjunção de hipótese), deve-se admitir igualmente sua função particular que é a função de indução, “se…então…”. Esta conclusão terá um interesse certamente, o fundamento da indução será lingüístico antes de ser lógico… Há para a língua duas maneiras de ser língua:  no sentido e na forma. Deveremos definir uma; a língua como semiótica; o que justifica a segunda, que nós chamaremos a língua como semântica… A noção de semântica introduz-nos no domínio da língua em uso e em ação; teremos desse modo na língua sua função de mediatriz entre o homem e o homem, entre o homem e o mundo, entre o espírito e as coisas, transmitindo a informação, comunicando a experiência, impondo a adesão, suscitando a resposta, implorando, constrangendo; enfim, organizando toda a vida dos homens. Eis a língua como instrumento da descrição e da razão… Ora, a expressão semântica por excelência é a frase. Dizemos: a frase em geral, sem propriamente distinguir-se a proposição, para nós deve levar ao essencial, a produção do discurso. Não se leva em conta mais, desta vez, o significado do signo, mas daquilo que se pode chamar a intenção, daquilo que o locutor quer dizer, da atualização lingüística de seu pensamento. Da semiótica à semântica há uma mudança radical de perspectiva: todas as noções que nos foram transmitidas reaparecem em retrospectiva diante de nós, porém outras, e por incorporar-se em novas relações. A semiótica caracteriza-se como uma propriedade da língua, a semântica resulta de uma atividade do locutor que põe em ação a língua. O signo semiótico existe por si, funda a realidade da língua, mas ele não comporta aplicações particulares; a frase, expressão da semântica, não é outra coisa que particular. Com o signo, prevê-se a realidade intrínseca da língua; com a frase, reata-se com as coisas fora da língua; e enquanto o signo tem por parte constituinte o significado que lhe é inerente, o sentido da frase implica referência à situação do discurso e à atitude do locutor… Uma primeira constatação é que o “sentido” (dentro da acepção semântica em que virá a ser caracterizado) completa-se no e por uma forma especifica, aquela do sintagma, diferentemente da semiótica que se define por uma relação de paradigma. De um lado, a substituição, do outro, a conexão… Vê-se que a unidade semiótica é o signo. Qual será a unidade semântica? Simplesmente, a palavra…, sendo a unidade mínima da mensagem e a unidade necessária da codificação do pensamento… Se o “sentido” da frase é a idéia que a exprime, a “referência” da frase é o estado das coisas que a provoca, a situação de discurso ou de fato à qual ela se reporta e que nós não podemos jamais, nem prever, nem adivinhar… Se não me engano, a noção de sintaxe, a noção de semântica, a noção de pragmática são as três ordens de noções às quais os lógicos em geram aderem. Estas três noções constituem um conjunto que é de tal maneira articulado quanto a língua em si mesma permite conceber. Conjugados ou separados, eles pertencem exclusivamente ao domínio que é, em minha terminologia, aquele da semântica… Eu distingo entre as unidades ditas signos da língua tomadas por si e na proporção que eles significam, e a frase, onde os mesmos elementos são construídos e ativados tendo em vista um enunciado particular. Eu concebo, pois, duas lingüísticas distintas.”

Compare-se HANS JULIUS SCHNEIDER, que em sua obra Pragmática à base da Semântica e Sintaxe, Surkhampk, Frankfurt, 1975, defende uma hierárquica dependência dos três componentes com base na “pragmática”. “Aqui, portanto, defenderei a tese de que uma teoria semântica mantém, então, seu correto primeiro lugar, quando ela não só, como, por exemplo, na Semântica Gerativa aparece ocupando-se da base para a Sintaxe, mas também quando ambas, Semântica e Sintaxe lançam as bases da pragmática”, p. 17.

SIEGREIED J. SCHMIDT, Teoria do Texto, Cátedra, Madrid, 1977, cap. 3, p. 43: “O aspecto pragmático de uma análise da linguagem é, para Wunderlich, o mais completo e ao mesmo tempo o domínio “verdadeiramente genuíno” para um ciência da comunicação”.

HERBERT E. BREKLE, Semântica, A. Colin, Paris, 1974, p. 78: “A tarefa da pragmática é de pesquisar quais são as condições de produção de atos de fala. A tais condições pertencem em primeiro lugar a satisfação de critérios de boa formação sintática e semântica; mas, deve-se ajuntar um amplo conjunto de fatores e de condições que são necessários à formação de atos de fala e que, sob certas condições a definir são os elementos determinantes de um processo de comunicação bem-sucedido.”

Semelhante “desideratum” manifesta TEUN A.VAN DIJK, no prefácio de seu Alguns aspectos da gramática de texto, Mouton, The Hague-Paris, 1972, VI: “…a pragmática deve especificar os contraentes – no ato da fala, os que estabelecem um acordo, um contrato –  entre os assim chamados elementos ‘performativos’ e os níveis de descrição sintático e semântico”.

 

 

 

Outros, ao contrário, aceitam uma paradigmática oracional, negando-se, assim, a sair da língua, como paradigma geral, para explicar a fala (401).

 

 

 

 

 

 

NOTA 401: Tal é o caso de JÁNOS S. PETÖFI, em seu Em torno de uma teoria parcial do texto,Helmut Buske, Hamburgo, 1975, p.91: “As explicações nocionais acima nos conduzem à conclusão de que em relação às línguas naturais é impossível ressaltar uma teoria que veja separados os componentes sintáticos, semânticos e pragmáticos de maneira nítida. Os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos aparecem sempre imbricados uns nos outros”.

OSWALD DUCROT e  TZVETAN TODOROV subscrevem o seguinte trecho de seus colaboradores em seu Dicionário Enciclopédico das Ciências da Linguagem, Siglo XXI, argentina, 1974, pp. 216-217: “Ainda que os traços prosódicos sejam antes de tudo fenômenos contrastivos (que provém da diferença existente entre elementos sucessivos da cadeia falada0, e, portanto, situados no eixo sintagmático, permitem constituir paradigmas de unidades de níveis diferentes (unidades em oposição no eixo paradigmático), já que todo paradigma se define por uma base comum mais um elemento variável (este elemento pode ser Æ)… poder-se-á determinar por um elemento variável ‘prosódico’, sobre uma base fonemática comum, paradigmas de unidades nos diferentes níveis estabelecidos mais acima. Por exemplo:

(você)  vem                                            (interrogação)

 

 

 

 
   

 

 

 

(você)  vem                                           (afirmação)

formam um paradigma constituído por unidades do nível ‘frase’”.

Veja-se a respeito o interessante capítulo que LUIS J. PRIETO dedica ao que ele chama de “pertinentização”, Princípios de noologiaFundamentos da teoria funcional do significado, Ubaldini Editore, Roma, 1967, pp. 93-98, p. 94: “Escolhendo um enunciado o emitente pertinentiza então os contratos de sentido que compõem o significado do enunciado escolhido. Ora, a pertinentização de qualquer um destes contratos pode ser mais ou menos ligada à pertinentização de qualquer um dos outros: a coisa depende da relação existente entre os contratos em questão”. E, mais adiante, p. 99, nota 20: “A sucessão é análoga no emitente e  no receptor. O emitente, uma vez classificado o sentido que procura estabelecer como uma variante do significado de um determinado enunciado, pronuncia um fone que é uma variante do significante correspondente… Igualmente, por sua vez, o receptor, uma vez classificado o fone como uma variante do significante de um determinado enunciado, atribui-lhe um sentido que é uma variante do significado correspondente”.

 

Uma lingüística como tipologia ou paradigmática geral do “tesouro disponível para a prática da fala” postulado por Saussure, ou melhor da fala, em sua ampliação a sistema virtual e abstrato, encontra-se no grupo lingüístico dirigido por K. Heger, com base em sua tipologia de categorias (402).

 

Nota 402: KLAUS HEGER, Monema, Palavra, Frase e Texto (2. Ed. Aum.), Niemeyer, Tübingen, 1976.

 

Ao considerar K. Heger a língua com o sistema virtual e abstrato, certamente, a dualidade “língua-fala” não caminha pelos roteiros da exclusão, mas da implicação , posto que “cada um dos fenômenos observados no plano da fala aproxima-se de um fenômeno correspondente no plano da língua, assim como para cada um dos fenômenos a serem postulados no plano da língua poder-se-ão observar eventuais fenômenos no plano da fala”(403). …

Nota 403: Ib. p. 16.

 

… E isto em qualquer dos níveis ou categorias, de menor ou maior complexidade, variando os operadores relacionantes, segundo os argumentos relacionados em cada um deles.

Em um sentido muito semelhante à “lingüística estratificacional” (do americano David Lockwood)(404), …

 

Nota 404: DAVID G. LOCWWOD, Introdução à lingüística estratificacional, Harcourt Brace Jovanovich, Inc. New York, 1972, “Modelo de Quatro Estratos”, p. 25 e pp. 136-189.

… no trânsito hierarquizado de uma categoria á outra, dentro da sistemática hegeriana, observa-se uma constante entre os distintos elementos semêmicos e a operativa dos mesmos, que, por sua vez, funcionam como elementos da operativa da categoria superior, etc., cabendo pensar na categoria mínima ou estrato inicial como um conjunto de elementos, não totalmente primitivo, posto que é a operativa do conjunto de categorias ou estratos do componente fonológico, a que torna possível o primeiro estrato ou categoria semântica, e a categoria máxima ou estrato superior como resultado da operativa de categorias ou estratos anteriores, limite da sistemática semântica, e, portanto, lingüística, que não pode ser instrumentalizado ou integrado em funções lingüísticas superiores mas , sim, o é segundo a ordem da dinâmica conceitual humana, objeto de ciências não lingüísticas. De modo que não estamos de acordo com  lançarmo-nos a uma dinâmica hierárquica de estratos ou categorias sem limite, contrária à evidência da “instrumentalidade da língua”, que se aprende e se usa realmente segundo uma ordem a ser instrumentalizada ou funcionalizada pela dinâmica conceitual humana. “É mais que certo que a macro-semântica que é a ‘gramática textual’ será pragmática ou não existirá: a ‘forma lógica’ discursiva é modal e a competência que produz um número infinito de discursos é sem dúvida regida por duas coações pragmáticas. A ‘lingüística textual’ deverá poder argumentar lingüisticamente uma macro-semântica pragmática” (sublinhado nosso)(405).

 

Nota 405:  (Herman Parret, “Semântica estrutural e semântica gerativa”, em Pottier, Semântica e Lógica (estudos semânticos recolhidos e apresentados por), 1976).

 

A meu ver, cabe falar de uma “competência textual”, mas não de uma “competência lingüísticatextual”, pois seria confundir o efeito com a causa. A “competência textual” só pode ser terminantemente lingüística, como pode ser cinematográfica, pictórica, etc. Nesse sentido unicamente, creio,  cabe falar de “modelos lingüístico-textuais”(406), …

 

Nota 406: ELISABETH GÜLICH / WOLFGANG RAIBLE, Modelo de Texto Lingüístico. Fundamentos e Possibilidades, Wilhelm Fink, München, 1976.

 

…já que enquanto “lingüísticos”, o modelo textual não pode ser mais que um, o da “operativa discursiva’, para o qual confluem como limite todas as categorias ou estratos lingüísticos inferiores, tendo que acudir às distintas pautas ou parâmetros do comportamento humano integral para encontrar a fonte primogênita dos “modelos textuais”. O que não implica que subestimemos a importância da língua no comportamento humano precisamente(407). …

 

 

 

Nota 407: ÉMILE BENVENISTE, op. cit. nota 400, p. 217: “Antes de tudo, a linguagem significa, tal é sua característica primordial, sua vocação original que transcende e explica todas as funções que ela assegura no meio humano. Quais são estas funções? Tomemos para nós o empreendimento de enumerá-las? Elas são tão diversas e tão numerosas que por isso apenas nos restaria citar todas as atividades de fala, de pensamento, de ação, de realizações individuais e coletivas que são ligadas ao exercício do discurso: para resumir em uma palavra, eu diria que, muito antes de servir para comunicar, a linguagem serve para viver. Se supuséssemos a ausência de linguagem, não haveria nem possibilidade de sociedade, nem possibilidade de humanidade, é em bem por isto que a propriedade da linguagem é tratar de significar”. O modelo lingüístico-textual é onticamente uno em cada língua, como o modelo sintagmático ou actancial. Só as aproximações metodológicas se diversificam em virtude da especial metodologia adotada e de acordo com a própria perspectiva formal, constructo ou simulacro da língua em sua única operativa ôntica e de acordo com sua capacidade aplicativa. A complexidade textual emanante da especial tensão língua-modelo somente a partir da lingüística não pode, evidentemente, ser abordada.

 

… O modelo dos textos, feitos com a língua está fora dela.

Podemos falar, com efeito, de modelos paradigmáticos das unidades operantes nos estratos ou categorias inferiores, monemas, unidades auto-sêmico-mínimas e as formas flexionais ou vocábulos, para os que a língua oferece um inventário limitado em cada momento filogenético. Para eles existe não só uma provisão lingüístico-operativa, mas também uma previsão ôntico-lingüística(408) . …

 

Nota 408: KLAUS HEGER, op. cit. nota 402, pp. 74-101.

 

… Estão na língua.

 

Nos estratos mais complexos, os que Heger chama formas flexionais e, sobretudo, os modelos actanciais, que contam com a forma proposicional, forma proposicional específica, forma proposicional específica segundo os SPEECH ACTS – atos de fala -, a frase, o grupo pressuposicional e o texto ou grupo pressuposicional com asserção ou especificação textual(409), …

 

Nota 409: Ib. pp. 102 e ss.

 

… até a categoria 9, imediata à do texto, podemos seguir falando de modelos actanciais lingüísticos, com diferenças quantitativo-qualitativas entre si, que enquanto modelos operativos são previstos e provistos pela língua, sem inventário concreto algum, sendo pura operatividade, em cumprimento da condição de economia lingüística. Estão na língua os modelos actanciais.

Ao contrário, não podemos falar com o mesmo direito de modelos textuais, aos que encaminha a operativa lingüística, mas não os contêm em si mesma. As língua provê os elementos instrumentais necessários, mas não prevê o como nem o quando do texto, o que suporia uma prévia planificação em distintos textos ou fecho do planificado em outros, de acordo com uma intencionalidade ou consciência concomitante, que não são língua e que nos conduzem à “ciência do discurso”, só instrumentalmente abordáveis desde a língua ou teoria da língua, que há de ceder  (410)  …

 

 

Nota 40: ÉMILE BENVENISTE, op. cit., nota 400, pp. 225-236: “…Uma primeira constatação é que o “sentido” (dentro da acepção semântica em que virá a ser caracterizado) completa-se no e por uma forma especifica, aquela do sintagma, diferentemente da semiótica que se define por uma relação de paradigma… O sentido de uma frase é sua idéia, o sentido de uma palavra é seu uso (dentro de uma acepção semântica). A partir da idéia em cada momento particular, o locutor junta as palavras que dentro daquele uso têm um “sentido” particular. Além disso, pode-se introduzir um termo que não foi ainda citado pela análise semiótica: o de ‘referente’, independente do sentido, e que é o objeto particular ao qual a palavra corresponde na concretez da circunstância ou do uso. Tem-se compreendido o sentido individual das palavras, ou pode-se muito bem, fora da circunstância não se compreender o sentido que resulta da junção de palavras; esta é uma experiência corrente, que mostra que a noção de referência é essencial. Aí está a confusão extremamente freqüente entre sentido e referência, ou entre referente e signo, que não originárias de vãs discussões sobre aquilo que se chama de princípio da arbitrariedade do signo… Há, assim, não apenas uma certa maneira de encadear os elementos do discurso, que é a função daquilo que se pode chamar uma gramática… Eu distingo entre as unidades ditas signos da língua tomadas por si e enquanto que elas significam, na frase, ou os mesmos elementos são construídos e ativados tendo em vista um enunciado particular. Eu concebo, então, duas lingüísticas distintas… Eu acredito, portanto, que seja totalmente vantajoso, para a clarificação das noções pelas quais nós nos interessamos, a que se proceda [o estudo] a partir de lingüísticas diferentes, já que elas devem, separadas, promover cada uma mais rigor, com a liberdade de se poder observar como elas podem ajuntar-se e articular-se”.

Veja-se a respeito o muito clarificador artigo de A. K. HALLIDAY, “A semântica e a sintaxe em uma gramática funcional”, pp. 139-165, em op. cit., nota 405, pp. 140: “A semântica é, portanto, ‘aquilo que pode querer dizer o locutor’. Ela é a estratégia disponível para ingressar no sistema da linguagem. Ela é uma das formas de sua realização. ‘Poder querer dizer’ é uma das formas de ‘poder fazer’, potencial de comportamento que pode ser realizado não somente pela linguagem mas também por outras maneiras. As estratégias do comportamento não dependem da linguagem mas elas podem ser atualizadas mediante o sistema da linguagem”.

Em uma linha similar, veja-se o importante artigo de um discípulo de A. J. Greimas, ERIC LANDOWSKI, “Análise semântica e ‘análise de conteúdo’”, pp.45-55, em op. cit., nota 405, p. 46: “Por oposição, a análise semântica repousa sobre a possibilidade de apoderar-se das unidades do discurso, que não se confundem nem com as da língua, nem evidentemente com as do referente”.

 

 

 

 

…a outros âmbitos, onde conta não só a língua, com seus paradigmas e modelos operativos, mas seu rendimento comunicativo concreto integral, o que é o mesmo, donde o potencial significativo lingüístico ou significado, cede à concreção significativa textual ou sentido, em aplicação, assim mesmo, da economia lingüística(411). …

 

 

 

 

Nota 411: EUGENIO COSERIU, O homem e sua linguagem. Estudos de teoria e metodologia lingüística, Gredos, Madrid, 1977, fundamentalmente, em nosso caso, os acertadíssimos capítulos X-XI, pp. 214-263, e, mais concretamente, pp. 220-221: “O significado é o conteúdo dado em cada caso pela língua, e, precisamente, exclusivamente pela língua, por tal e qual língua determinada. Adesignação, ao contrário, é a referência às ‘coisas’ extralingüísticas. Certamente, a designação propriamente dita (que não é simples “amostragem”) só pode dar-se através dos significados, mas não coincide por isto com o significado. Assim, por exemplo, o espanhol traer, o alemão bringen, o francêsapporter, o italiano portare são significados distintos e que só são delimitáveis como tais por meio das oposições semânticas naquelas que funcionam dentro das línguas correspondentes. Todavia, em determinadas situações, podem designar exatamente a mesma ação. Analogamente, o espanholescalera, o italiano scala e o alemão Treppe podem designar exatamente a mesma coisa (no caso de tratar-se, precisamente, de uma “escada pertencente a um edifício”, que, todavia em alemão é outra coisa que uma Leiter, ‘escada de mão’)…  O sentido é o conteúdo particular de um texto ou de uma unidade textual, na medida em que este conteúdo não coincide simplesmente com o significado e coma designação. Assim, por exemplo, em um silogismo, o sentido de Sócrates é mortal pode ser: ‘O que é aplicável a toda uma classe é necessariamente aplicável também a cada membro desta classe…’; em uma situação da vida prática, a mesma expressão pode ter, por exemplo, o sentido de ‘advertência a Xantipa – mulher de Sócrates’;  e em poesia, o sentido de um símbolo poética da mortalidade e fragilidade do ser humano. No lingüístico, só tem sentido nos textos; mas, em princípio, o sentido é uma grande parte transferível a outros modos de expressão, não lingüísticos (assim, por exemplo, uma novela e um filme poderiam ter o mesmo sentido global). A pergunta, a resposta, a exortação, a comprovação, a objeção, a refutação, a réplica, a súplica, o mandato, o exemplo, a imputação, a alocução, a saúde etc., são categorias do sentido e, portanto, do texto.”

 

… Os modelos textuais não estão na língua. O texto é um objetivo da língua em sua instrumentalidade radical, mas não é um ingrediente operativo da mesma. Lingüisticamente se chega ao texto, mas não se opera a partir dele.

Pessoalmente, creio que a base argumentativa de Benveniste é incompatível com a consideração da língua como sistema virtual, consideração que, por outra parte, não é alheia ao ideário saussureano(412).

 

Nota 412: Lendo Saussure pode-se observar como se encontram na LANGUE muitos ingredientes mais do que pretendeu a lingüística subseqüente. Mas aceitar que se estude lingüisticamente tudo o que a LANGUE contém exige dar o relevo a outras disciplinas tão imediatamente como se sai do tipológico, em aplicação das teses de Benveniste, ainda que ampliando o alcance de sua LANGUE, mas não sem limite determinado, posto que mal se pode considerar algo como código utilizável se não se conhecem os limites de sua utilização. O texto é a expressão do sentido ou intencionalidade. A lingüística do texto ocupa-se da expressão lingüística do sentido: como cristaliza o sentido em um esquema lógico-semântico e enlaça com sua expressão fônico-sintática. O estudo do sentido textual excede da lingüística, posto que a língua só é o instrumento do sentido ou intencionalidade; o estudo do sentido é objeto de uma disciplina heterogênea que canaliza todo o saber humano em torno do texto, e que podemos etiquetar de teoria do texto. A lingüística se ocupa do como adotado pelo sentido, de seu instrumental, não do sentido mesmo. Para traduzir Kant não só faz falta falar alemão; faz falta ser filósofo. O filósofo necessita do lingüista e vice-versa, em uma teoria do texto que englobe tanto a lingüística como a filosofia do texto, por acaso. A Lingüística tem direito e deve dar conta do código operativo lingüístico-textual ou sintagmático, como âmbito englobante de “tudo o que compõe um estado de língua”, no dizer de F. de Saussure, op. cit. supra, nota 396, p. 188 (ed. francesa).

 

4.2.3.      Curiosamente, as teorias que na “discursivização”  (413) …

 

 

Nota 413: Termo utilizado por A. J. Greimas, Maupassant. A semiótica do texto: exercícios práticos, ed. du Seuil, Paris, 1976, pp. 37-38: “A discursivização faz-se de duas maneiras distintas: a) pelo desenvolvimento, sob a forma de novas articulações categoriais, do feixe de categorias espaciais que constituem a isotopia fundamental da seqüência, de uma parte, E b) pela figurativização dos conteúdos obtida graças à mediação dos papéis temáticos, do outro”. (destaque nosso).

 

 

…não vêem mais que uma mera acumulação oracional, sendo objetivamente mais inexatas, são teoricamente mais conseqüentes com seu modelo lingüístico. Ao contrário, a valoração qualitativa da discursivização não pode tolerar, se a língua é ao sistema virtual e a fala a atualização dessa virtualidade, uma lingüística presa exclusivamente ao infradiscursivo, posto que ao existir funções de relação interfrástica, a língua tem que dar conta de tais funções relacionais, tão paradigmatizáveis como as funções de qualquer outro nível ou estrato. Em minha opinião, a operativa do discurso é lingüística, mas a estratégia discursiva depende da planificação textual, necessariamente extralingüística.

A lingüística estuda a combinatória do paradigmático ou paradigmatizável, sendo ela mesma um paradigma ou opção entre as distintas teorias científicas. Os textos são um feito social tão inquestionável como o falar cotidiano, sendo sua tipologibilidade, por isso mesmo, teoricamente inquestionável, sem cair por isso nas armadilhas da teoria útil para todo e para sempre, consciente do caminhar intuitivo e um tanto às cegas da atividade humana, posto que, no  nosso entender, tem razão A. Machado no que diz de que “ … não existe caminho, / senão rastros no mar” e “Todo aquele que caminha anda, /como Jesus, sobre o mar”(414). …

 

(414) ANTONIO MACHADO, Obras, Poesia e prosa, Losada, Buenos Aires, 2ª ed., 1973, pp. 218 e 212, respectivamente.

 

…Neste sentido, seguindo com o “leitmotiv” (motivo condutor)  caminheiro machadiano, a “lingüística do texto” ou “ciência do discurso” está mais nos “sulcos do azar” que em “caminhos” intransitáveis, só para recordar. Mas entre os avanços a se ter em conta, temos uns como que marco ou estímulo para a investigação posterior. Com efeito, desde o mais além lingüístico ao que a problemática do texto ou discurso convida, é lícito partir, com R. Barthes, da hipótese de que o texto mais que uma acumulação de frases, na insuficiente caracterização martinetiana, é uma “ultrafrase”, com todos os ingredientes da frase condicionados pela funcionalidade discursiva ou textual.

Na frase existem funções predicativas ou atributivas, que têm a ver com aquilo que as pessoas gramaticais fazem, têm ou são. Paralelamente, o texto possui sua própria dinâmica funcional, que Barthes, seguindo a Greimas, reconhece de caráter semântico (415), …

 

 

Nota 415: ROLAND BARTHES et allii, Análise estrutural do relato, Tiempo contemporáneo, Buenos Aires, 1970, “Introdução à análise estrutural dos relatos”, pp. 9-43, -.17, nota 24: “As unidades sintáticas (bem além da frase) são de fato unidades de conteúdo” (A. J. GREIMAS, Curso de Semântica estrutural, curso apostilado, VI, 5). A exploração do nível funcional faz parte, pois, da semântica geral.

 

 

…com valores nucleares ou cardinais e, solidariedade, e valores expansivos ou complementares, catálises, indícios e informações, em constelação.

Na frase há “funtores” da predicação, posse ou atribuição (sujeito, objeto…). Paralelamente, no texto há “funtores” da dinâmica textual, individualizados (atores) e genérico-programáticos (actantes).

Na frase há um nível de enunciação e um nível de enunciado, segundo se atenda às pessoas, eu/tu, ligadas ao processo enunciativo em seu desenvolvimento temporal, presente/futuro, ou se atenda ao enunciado, desligado de interlocutores com base à não-pessoa, ele, desconectado da dinâmica temporal, em situação parecida com do tempo gramatical da conjugação grega denominado aoristo(que indica haver a ação ocorrida em época passada, sem determinar, porém, se está inteiramente realizada no instante em que se fala), ou no passado. Paralelamente, no texto se dá um nível paralelo à enunciação, estritamente pragmático, que é o discurso, e um nível paralelo ao enunciado, estritamente semântico, que é o relato (416).

 

 

 

 

 

 

 

Nota 416: GÉRARD GENETTE, “Fronteiras do relato”, pp. 193-208, em op. cit., nota 415, principalmente pp. 203-205: “Esta divisão corresponde aproximadamente à distinção, proposta faz tempo por Émile Benveniste, entre relato (ou história) e discurso, com a diferença de que Benveniste engloba na categoria e discurso tudo o que Aristóteles chamava imitação direta e que consiste efetivamente, ao menos em sua parte verbal, em discurso emprestado pelo poeta ou narrador a uma de suas personagens… No discurso , alguém fala e sua situação no ato mesmo de falar é o foco das significações mais importantes; no relato, como Benveniste o diz energicamente, nada fala, no sentido de que em nenhum momento temos que nos perguntar quem fala (onde e quando, etc.), para perceber integralmente a significação do texto”.

Veja-se a respeito o que assinala o excelente sistematizador da doutrina greimasiana, J. COURTÉS, Introdução à semiótica narrativa e discursiva, Hachette, Université, Paris, 1976, p. 37: “A autonomia da semiótica como tal está longe de ser obtida. De um lado, como podemos constatar, “a classificação mais corrente agrupa as semióticas segundo as categorias sensoriais que servem à constituição do significante” (A. J. GREIMAS, artigo “Semiótica” na Enciclopédia Larousse): isto que nós colocamos sob os auspícios da sociologia: pode-se, então, estudar seja a instância  emissor (problemas deenunciação e de produção), seja o receptor com a questão da interpretação”.

Enfim, A.J. GREIMAS, Maupassant. A semiótica do texto: exercícios práticos, ed. du Seuil, Paris, 1976, p. 266: “Os mecanismos do “pôr em discurso”  que, na perspectiva da produção textual, em diante, a partir de instâncias semiológicas mais profundas, destrincham o texto em todas as suas variações de planos e de figuras, são ainda mal conhecidos. Somente dois modos de produção de unidades discursivas podem ser determinados por enquanto: eles estão na abordagem dos procedimentos  de debreagem e embreagem, criações de diferenças desiguais e variadas entre o instante da enunciação e o do enunciado, que instauram as unidades discursivas autônomas, definíveis pelo modo de produção gramatical; há em seguida procedimentos de conexão de isotopias, que assegurem a coerência do discurso, malgrado as variações de plano – abstratos e figurativos – de manifestações semânticas”. A ‘conexão isotópica’, garantidora da ‘coerência do discurso’ é o expoente da isossemia intermensageira, e não a pura conexão expressiva que, teoricamente, pode dar-se entre seqüências contraditórias.

 

4.2.4.      Em que pesem minhas preferências pela escola greimasiana, o rigor e importância crescentes da produção de J. Petöfi me fazem reproduzir ou condensar aqui os aspectos mais relevantes para nossos propósitos atuais(417).

 

 

 

 

Nota 417: Neste sentido, veja-se “O nível textual”, que GARCÍA BERRIO escreve em ANTONIO GARCÍA BERRIO / AGUSTÍN VERA LUJÁN, Fundamentos da lingüística moderna, Comunicación, Madrid, 1977, pp. 171-223. Ou mesmo, seu esplêndido Curso de lingüística textual na Universidade de Murcia, junho, 1978. Com respeito às prematuras contribuições textológicas de A. J. GREIMAS, cf. op. cit. nota 388, pp. 141-256, de onde extraímos sua definição de texto, p. 145: “O procedimento que, logicamente, segue a constituição do corpus consiste na transformação do corpus em texto. O corpus, com efeito, é uma seqüência delimitada do discurso e, enquanto tal, não pode ser mais que uma manifestação logomáquica, da qual não se pode reter uma ou outra isotopia escolhida. Entendemos, pois, por texto (e, o que se estende igualmente para metatexto) o conjunto dos elementos de significação que estão situados sobre a isotopia escolhida e são fechados nos limites do corpus”.

 

Os aspectos de um texto, enquanto objeto lingüístico – a meu ver, dessa lingüística distintiva postulada reiteradamente por É. Benveniste -, são de duplo tipo: cotextuais e contextuais, com seus correspondentes componentes.

Os aspectos cotextuais têm a ver com a textura concreta do texto, tanto gramaticais – em seus níveis sintático-semântico intensional e fonológico/grafêmico -, como não gramaticais estritamente, como: estruturas métricas, rítmicas, eufêmicas…

Os aspectos contextuais são os relativos interpretação do sentido textual com fundamento em uma semântica extensional, a produção dos textos, sua recepção e demais aspectos praxiológicos. O “texto” é, a meu ver, o lugar dos fenômenos da linguagem, donde a semântica deve transcender sua estrita condição intensional lingüistica, o âmbito do significado, na acepção emitida por Coseriu, para conectar com o “mundo de denotados”, não já em sentido tipológico, que seria o próprio de uma pura semântica extensional, mas em sentido concreto, as circunstâncias concretas, de cujo conteúdo, osentido na acepção de Coseriu, dê conta não só de uma semântica intensional, tipicamente lingüística ou tipológica, nem sequer com o indubitável auxílio da semântica extensional, desfeita de concretez e igualmente tipológica, mas a que, à falta de melhor nome, chamamos “semântica textual”, que dinamiza as duas anteriores, de significado e denotação, respectivamente, com o ingrediente da circunstância concreta. Poderia, talvez, denominar-se “semântica pragmática” ou “semopragmática”, para fazer ver o especial tratamento que o fenômeno da linguagem que chamamos texto, comporta. Do potencial intensivo-extensional, tem-se que selecionar o sentido concreto textualizado. O texto é o “verbo” feito “carne”, não o “verbo” somente. Neste sentido cremos necessário dar um passo mais na “questão fundamental da semântica” que formula Petöfi: Como a pressão textual é capaz de reduzir o potencial semântico intensivo-extensional lingüístico a um sentido concreto ou conteúdo intensivo-extensional dado? (418)

 

Nota 418: Refiro-me à seguinte questão do prestigioso investigador JÁNOS S. PETÖFI, op. cit., nota 401, p. 89: “Como se pode definir a intensão de uma expressão lingüística (atômica ou complexa), e conhecendo sua intensão, como se pode determinar sua extensão?”.

 

A cotextualidade supõe, no marco da gramática textual, que não se opere na interpretação de um texto, mas com suas próprias informações imanentes, emanantes tanto do sistema lingüístico, colingüisticidade, como estrutura englobante, como do especial tratamento textual, cotextualidade propriamente dita, como estrutura englobada; e na produção, que não se apliquem senão as informações dedutíveis da estrutura desenvolvidas durante a geração textual, emantes do sistema lingüístico ou toleradas pelo mesmo (metaforização).

A contextualidade como estrutura dominante ou macroestrutura oferece o adequado registro ou condições necessárias para o funcionamento da cotextualidade como estrutura dominada ou microestrutura, tanto na dinâmica produtiva (síntese) como na reprodutiva (análise). Um tratado como o De Trinitate, de San Augustín, não poderia ser produzido fora da tradição helênico-judaico-patrístico-cristã, nem poderia ser reproduzido fora dela e sem referência a ela. Nosso conceito da radical instrumentalidade lingüística nos faz alterar a ordem operativa das distintas forças convergentes na dinâmica textual segundo propõe Petöfi(419).

 

Nota 419: Cf . acima, nota 418.

O procedimento, como assinalam Zolkovskij e Mel’uk(420), …

Nota 420: A. K. ZOLKOVSKIJ – I. A. Mel’uk, “Construção de um modelo ativo da língua:  “SENTIDO                  TEXTO”, pp.11-50, em Revista Documento de Lingüística Quantitativa, número 10, “A Semântica na U.R.S.S.”, Dunod, Paris, 1971.

 

… deve ser duplo: a construção de um modelo ativo que procure para qualquer sentido ou estrutura referencial, todos os textos que o expressam (gramática ativo do locutor-autor, síntese), e para qualquer expressão-texto o sentido ou estrutura referencial que comporta (gramática reativa do receptor-leitor, análise).

Os mecanismos ativo/reativo e o de sua mútua comparação, como componentes gramaticais da comunicação – no sentido de que o que fala, em sua utilização de uma gramática ativa, deve prover a ação em funcionamento do mecanismo reativo de seu interlocutor, de cuja comparação se origina ou se pode originar uma remodelação do mecanismo ativo, e ao inverso – supõem a ativação ou reativação de um léxico mediante um sistema de regras de formação opcional, segundo os distintos estratos do funcionamento lingüístico pelos quais se opte(421).

 

 

 

 

 

Nota 421: Considero que as chamadas “regras de formação e de transformação” podem ser entendidas como opções, em distintos níveis, entre as distintas formas oferecidas pelo mecanismo lingüístico à exigência semântico-comuicativa, sem que se tenha que pensar em nenhuma forma originária per si ou prioritária com respeito ao resto, que se obteria, por transformação, daquela, posto que, a meu entender, o único prioritário é o sistema lingüístico em sua funcionalidade sistemática integral. Penso nas razões aduzidas contra a transformacionalidade gramatical por DAVID G. LOCKWOOD, op. cit., nota 404, e basicamente, por Richard A. Hudson, Argumentos para uma Gramática não-transformacional, The University of Chicago Press, Chicago and London, 1976, em sua proposta de uma Gramática filha-dependência, páginas 4-26).

 

O léxico é o componente fundamental da competência textual, como ponto de partida das operações subseqüentes. Está constituído por unidades não definidas ou átomos lingüísticos, figuras hjelmslevianas(422), …

 

Nota 422: LOUIS HJELMSLEV, “Dentro daquela medida as significações das palavras podem ser consideradas como formando uma estrutura”. Anais do 8º Congresso Internacional de Lingüística, Oslo, 1958, pp. 636-654.

 

 

… e por unidades definidas. Nestas definições intervêm informações sistemáticas (campos lexicais(423)) …

 

Nota 423: Vejam-se as obras de Eugenio Coseriu, Horst Geckeler…, onde se tenta manter a “pertinência funcional lingüística”.

 

… e extra-sistemáticas ou enciclopédicas (taxemas de experiências(424)), …

 

Nota 424: Veja-se BERNARD POTTIER, Lingüística geral. Teoria e descrição, C. Klincksieck, Paris, 1975, onde a “pertinência lingüística” cede à “sociolingüística”, englobando esta àquela.

 

… com base no caráter dominante do sentido, nutrido nas tetas da contextualidade ou macroestrutura, atuando como controle da exaustividade das definições sua condição de fundamento necessário e suficiente da univocidade entre as unidades ou cimentos definidos na base das definições, e ponto de partia do mecanismo parafrásico em seu máximo rendimento.

As regras do “sistema de regras de formação opcional” produzem, por um lado, representações léxicas, legíveis, ou semânticas, segundo operem sobre os elementos a definir ou sobre os mecanismos da definição. (A forma de representação das estruturas léxicas em sentido pleno, ou semânticas em sentido estrito, é a do cálculo de predicados, no sentido da chamada “sintaxe semântica” ou “semântica gerativa”, em coincidência com autores não catalogáveis sob tal denominação como G. Matoré, B. Pottier, K. Heger…(425)). …

Nota 425: GEORGES MATORÉ, O método em Lexicologia, Didier, Paris, 1973, p. XXIV, nota 1.  BERNARD POTTIER, op. cit., nota 424, pp.71-81. KLAUS HEGER, op. cit., nota 402, pp. 164 e ss.

… E, por outro, convertem as representações léxico-semânticas em textos propriamente ditos.

A representação léxico-semântica opera em estratos preocorrenciais, sendo independente da forma ocorrencial efetiva com que os elementos do texto se manifestem, assim como da sintagmação textual em que ocorram.

Em um sentido aproximável ao proposto por János S. Petöfi(426), …

Nota 426: JÁNOS S. PETÖFI, op. cit., nota 401, p. 2.

…  podemos considerar que o mecanismo produtivo-sintético, em sua dinâmica de “construção-projeção-síntese”, em contraste com o mecanismo analítico-reprodutivo (com uma dinâmica inversa de “análise-interpretação-reconstrução”), supõe uma tripla operação:

1)    a geração da representação léxico-semântica textual;

2)    a especificação de todas as concreções com respeito às opções que devem suceder às representações léxico-semânticas textuais para converter-se em uma manifestação linear do texto;

3)    e, por fim, a execução dos algoritmos de opção de uma manifestação linear dada de acordo com a representação sêmico-léxica.

A representação semântica textual, como adequadamente assinala Petöfi, contém os seguintes componentes: o rol das descrições dos objetos dos quais se trata no texto; a trama relacional dos predicados relativos aos objetos particulares.; o diagrama dos objetos entre os quais se dá uma relação predicativa; o ordenamento dos predicados em marcos correspondente aos participantes na situação da comunicação manifestada no texto, assim como das relações topo-crono-lógicas e/ou lógicas existentes entre os conteúdos dos predicados. A representação semântica textual, com efeito, é uma representação semântica intensional que repercute a estrutura intensional de um “mundo textualizado” representado/criado pelo texto.

O mecanismo produtivo-sintético supõe a construção de uma base extratextual (ou base do mundo representado/criado ou imaginado), constructo obtido mediante um léxico mínimo semântico-extensional ou semiótico, submetido a um sistema de regras de construção, que, sobre a base de uma aleatória modificação da representação semântica do mundo, gera uma representação semântica extratextual, que, conseqüentemente, contém uma parte de representação semântica extensional mais a informação complementar nula/não nula modificante.

A geração da base do mundo concreta está condicionada, logicamente, pelo amálgama dos distintos valores semióticos do léxico mínimo de acordo com as distintas regras de projeção, que, neste caso, fazem de ponte operativa entre a entrada da representação semântica do mundo padronizado e sua possível modificação, “aducto”, e a saída do ponto de partida concreto para o texto, ou base do mundo concreta, “educto”. Supõe, além disso, a transformação da base do mundo concreta em uma base textual dada, primeira ou segunda sínteses, segundo se tome o constructo extratextual base ou a base do mundo concreta, que sem ser uma síntese textual é caminho até ela. Esta base textual dada é o educto ou saída do mecanismo de projeção do constructo extratextual base, aducto ou entrada.

Paralelamente à  base do mundo concreta, a base textual dada(427) …

 

Nota 427: EMILIO ALARCOS LLORACH, Ensaios e Estudos Literários, Ed. Júcar, Madrid, 1976, pp. 151-156.

 

… supõe uma nova formalização, mediante uma desvinculação do mundo extensional em seus valores concretos de indivíduos ou conjunto de indivíduos, com suas propriedades, valores de verdade, valores espaço-temporais e lógicos concretos(428), …

 

Nota 428: JÁNOS S. PETÖFI, op. cit., nota 401, p. 16.

 

… junto com a assinalação de um bloco de informações relativo à determinação das manifestações verbais dos conectores lógicos e à do modo comunicativo da manifestação, em forma de narração ou em forma de representação dramática.

(fim da tradução do texto de Trives) (atenção: o tradutor dispôs as notas de rodapé originais em seguida à sua referência no texto porque elas são muito grandes, o que obrigaria a uma confusão de leitura das páginas, que ocorre no original, mas que o tradutor não pretendeu reproduzir na tradução; por coerência com este princípio, as notas de rodapé pequenas também foram mantidas em seguida à sua referência).

 

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Claudionor Ritondale

Claudionor Aparecido Ritondale, nascido em São Paulo, em 1957. Casado, pai de uma filha, amigo de cães, apreciador de vinhos. Mestre em Língua Portuguesa, com sólidos conhecimentos em Português e na área da Educação. Escritor premiado, com 41 livros editados e vários artigos sobre vários assuntos – poesia, contos, língua portuguesa, filosofia, viagens, crítica literária e de artes, administração. Revisor de textos, professor de Metodologia do Trabalho Científico. Faz palestras, ministra cursos e participa de videoconferências sobre o novo acordo ortográfico, ministra cursos de língua portuguesa pela internet. Autor de apostilas de Filosofia, Sociologia, Língua Portuguesa, Redação, Interpretação de Texto e Literatura para o ENEM. Tradutor de italiano, inglês, espanhol, francês e alemão, para particulares, empresas e editoras (textos técnicos e literários). Aposentado de um banco estatal, com experiência em programas de Treinamento e Desenvolvimento e universidade corporativa. Copyright © 2012 Claudionor Ritondale

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