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O que realmente uma pessoa é está muito nos seus sonhos

Se tratarmos de autoconhecimento, obviamente teremos que pensar, em um primeiro momento, inevitavelmente em quem somos. Talvez possamos pensar em algo que somos. Pode ser que eu me engane, mas não é possível descrever a nós mesmos sem o uso de um parâmetro que venha dos outros, porque, antes de virmos ao mundo, já existiam formas de conhecimento. Nós aprendemos com o que já existia, mas também aprendemos a observar que há possibilidade de gerarmos situações novas.

Uma forma de novidade sempre presente em nossas vidas são nossos sonhos. O conhecimento, segundo a maneira usual de o encararmos, é decorrente de uma condução intelectual no pensamento. Por sorte nossa, não somos apenas dotados de intelectualidade. Questões que até interferem na intelectualidade, mas têm uma propensão a algo não tão previsível dizem mais respeito aos sonhos e fazem algo muito mais importante pelo cotidiano de nossas vidas do que a intelectualidade sozinha.

Tentamos e temos que transformar tudo em um conhecimento que nossa razão consiga apreender, e isso significa obviamente que transformamos tudo em intelectualidade. Não há como escapar disso, a não ser na condução de nossos sonhos. Talvez nós não saibamos que podemos  tentar dirigir intelectualmente nossos sonhos, mas nós até conseguimos isso. O resultado é que não nos lembraremos deles. Isso ocorre porque os sonhos revelam nossa subjetividade, nossa absoluta singularidade no mundo. Nem gêmeos idênticos têm sonhos idênticos.

Se pudermos deixar que nossos sonhos sejam livres de nosso controle objetivo, teremos lembranças deles. E é importante que nós nos lembremos deles porque eles podem nos oferecer soluções criativas. Os sonhos são a elaboração artística que todos nós, mesmo que não sejamos artistas profissionais, proporcionamos a nós mesmos diariamente.

O sonho permite que tenhamos um conhecimento simbólico, aos olhos de nossa intelectualidade, e é justamente com os símbolos que criamos, de uma maneira a recombinar coisas do cotidiano, que nós nos expressamos a nós mesmos.

Os símbolos não têm obrigação de vincular-se a uma fórmula percebida ou apresentada por qualquer teoria. Eles se vinculam a nós, ao nosso modo de conceber símbolos. Eles podem ser influenciados por referências de nossa cultura, como muito do que temos em nossa linguagem é, daí ser quase inevitável que tenhamos sonhos na língua que dominamos. Não é incomum que alguém que aprenda um novo idioma diga que está começando a ter algum domínio de entendimento dela quando tem algum sonho na língua que está aprendendo.

O verbo recordar, conforme assinalam alguns dicionários, significa “trazer de volta à memória”. A etimologia, no entanto, nos diz que “Cord”, que é uma das raízes contidas no verbo, remete diretamente ao latim “cor, cordis”, que é coração. O “re” significa um retorno. Então, pela origem, recordar é trazer de volta ao coração. Quem quiser se lembrar de seus sonhos deve dar maior importância, ao menos em sua preparação para dormir, que deve ser algo em torno de uma hora, pelo menos, antes de ir para a cama, às emoções, não às racionalizações sobre o que o dia lhe proporcionou. Deixar sentir o que o incomodou, sentir de novo a emoção de quando conheceu alguém que foi interessante em sua primeira impressão ao  ser apresentado a determinada pessoa ou ter um contato inicial com alguém antes desconhecido, retomar a energia que invadiu seu corpo, ainda que sufocada pelos controles sociais, ao ver uma pessoa que você achou atraente, tudo isso são emoções que nosso cotidiano estritamente profissional e objetivo muitas vezes obriga que sufoquemos. No nosso quarto, diante de nossa solidão e de nossa cama – sim, solidão, porque ninguém dorme por nós –, teremos a nossa liberdade para saborear de novo nossas emoções, ou seja, recordá-las, trazê-las de volta ao coração.

A vida psicológica é bastante influenciada pela memória. Sem que nos recordemos de algo que nos pareceu agradável ou desagradável, não teríamos respostas. A indiferença não leva a entusiasmo nem a sofrimento. Se algo nos tocou, ele nos interessa, daí haverá memória. E, se houver memória, haverá vida psicológica, com as alegrias e sofrimentos decorrentes dessa vida.

As emoções – boas e ruins – não precisam sempre ser racionalizadas, elas podem ser repassadas emocionalmente em nós. O controle racional pode diminuir um pouco, porque não se pode sair por aí explodindo para tentar se libertar de um sentimento muito desagradável que lhe vem à mente e às recordações emotivas quando se está prestes a dormir. Obviamente, as leis sociais ainda imperarão e obrigarão a que tenhamos compostura. Os vizinhos não têm obrigação de ouvir fogos de artifício quando seu time de futebol ganha uma mísera partida e você quer comemorar sua euforia às duas horas da manhã. Isso já é ser angustiado demais na vida e querer compensar sua incapacidade emocional com um fanatismo.

A proposta de rememorar emoções é absorver ao menos um pouco da angústia ou do prazer sentidos em momentos do dia. Ninguém quer amplificar as más sensações, mas também não quer fazer com que você solte sua alegria que não tem nada necessariamente relacionado com a vida dos outros. Não precisamos ser narcisistas, nem nos fazermos de vítima. O importante é sentir algo, ou melhor, procurar reviver o sentimento que chegou até nosso corpo em alguns momentos do dia.

Os sonhos serão feitos disso e serão lembrados, porque o coração estará aberto.

Isso nos dará uma pequena iniciação ao nosso autoconhecimento. Vamos continuar mais adiante.

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Claudionor Ritondale

Claudionor Aparecido Ritondale, nascido em São Paulo, em 1957. Casado, pai de uma filha, amigo de cães, apreciador de vinhos. Mestre em Língua Portuguesa, com sólidos conhecimentos em Português e na área da Educação. Escritor premiado, com 41 livros editados e vários artigos sobre vários assuntos – poesia, contos, língua portuguesa, filosofia, viagens, crítica literária e de artes, administração. Revisor de textos, professor de Metodologia do Trabalho Científico. Faz palestras, ministra cursos e participa de videoconferências sobre o novo acordo ortográfico, ministra cursos de língua portuguesa pela internet. Autor de apostilas de Filosofia, Sociologia, Língua Portuguesa, Redação, Interpretação de Texto e Literatura para o ENEM. Tradutor de italiano, inglês, espanhol, francês e alemão, para particulares, empresas e editoras (textos técnicos e literários). Aposentado de um banco estatal, com experiência em programas de Treinamento e Desenvolvimento e universidade corporativa. Copyright © 2012 Claudionor Ritondale

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